ministros votaram a favor de uma questão processual que pode abrir brecha para derrubar uma série de condenações impostas pela Justiça Federal de Curitiba: o entendimento de que os réus delatados têm o direito de falar por último nos casos em que também há réus delatores
Em um novo revés para a Lava Jato, o plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) formou maioria na quinta-feira (26) a favor de uma tese que pode levar à anulação de mais sentenças da operação e até mesmo beneficiar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Seis ministros já votaram a favor de uma questão processual que pode abrir brecha para derrubar uma série de condenações impostas pela Justiça Federal de Curitiba: o entendimento de que os réus delatados têm o direito de falar por último nos casos em que também há réus delatores (aqueles que fecharam acordos de colaboração premiada).
O presidente do STF, ministro Dias Toffoli, já informou que seguirá a mesma compreensão, mas decidiu concluir a análise do caso na próxima quarta-feira, quando a composição da Corte estiver completa – o ministro Marco Aurélio Mello se ausentou no final da sessão de ontem.
O Supremo pode delimitar os efeitos da decisão, fixando critérios para a anulação das condenações, como exigir a comprovação de prejuízo à defesa e derrubar apenas aquelas sentenças em que a Justiça negou o pedido de réus delatados pediram para se manifestar depois dos delatores.
Foi o que ocorreu, por exemplo, com o ex-presidente da Petrobras e do Banco do Brasil Aldemir Bendine, que viu no mês passado ser anulada a condenação que lhe havia sido imposta pelo então juiz federal Sergio Moro, atual ministro da Justiça. O caso marcou a primeira sentença de Moro na Lava Jato derrubada pelo STF.
Resgate
Em uma tentativa para salvar sentenças da Lava Jato, o ministro Luís Roberto Barroso sugeriu uma solução intermediária, para evitar que o entendimento do plenário tenha efeitos retroativos – ou seja, para que a decisão da Corte só valha a partir daqui pra frente. Em seu voto, Barroso destacou que não há previsão legal para que réus delatores e delatados se manifestem em prazos distintos na reta final do processo. Barroso acompanhou, assim, o entendimento do relator da Lava Jato no STF, Edson Fachin, para manter as condenações.
“O caso tem risco de anular o esforço que se vem fazendo até aqui para enfrentar a corrupção, que não é fruto de pequenas fraquezas humanas, mas de mecanismos profissionais de arrecadação, desvio e distribuição de dinheiro público. Não há como o Brasil se tornar desenvolvido com os padrões de ética pública e privada praticados aqui”, disse Barroso.
A preocupação foi endossada pelo vice-presidente do STF, ministro Luiz Fux. “Entendo que juízes devem ter em mente as consequências do resultado judicial. Nesse sentido, tenho absoluta certeza que vamos debater uma modulação da decisão para que ela não seja capaz de pôr por terra uma operação que colocou o país num padrão ético e moral.”
Divergência
O habeas corpus examinado pelo plenário foi do ex-gerente da Petrobras Marcio de Almeida Ferreira. No papel, o processo de Ferreira guarda semelhanças com o de Bendine. A defesa do ex-gerente alegou que ele sofreu grave constrangimento ilegal por não poder apresentar as alegações finais depois da manifestação dos réus colaboradores.
A divergência no julgamento foi aberta pelo ministro Alexandre de Moraes, que entendeu que o delatado tem o direito de falar depois do delator para, assim, rebater as acusações que lhe foram impostas.
“Não são firulas jurídicas, mera burocracia para atrapalhar o processo. Não há Estado de Direito sem o devido processo legal, sem ampla defesa, sem o contraditório. O devido processo legal não atrapalha o combate à corrupção”, disse Moraes. “Não me parece existir qualquer dúvida de que o interesse processual do delator é absolutamente oposto ao interesse do delatado. Em que pese o delator ser formalmente réu, em verdade o seu interesse é pela condenação do delatado.”
Considerada voto decisivo para a definição do placar, a ministra Rosa Weber – que costuma concordar com Fachin e Barroso – se alinhou desta vez à posição de Moraes. “O prazo para alegações entre réus colaboradores e não colaboradores há de ser sucessivo, até por uma questão de bom senso”, disse Rosa.
Apesar de concordar com a tese de que réus delatados devem falar depois dos delatores, a ministra Cármen Lúcia votou contra o pedido de Ferreira para anular a sua condenação. Na avaliação da ministra, não houve prejuízo à defesa no caso concreto de Ferreira, já que foram abertos prazos complementares para novas manifestações das partes na reta final do processo. A ministra havia votado a favor de derrubar a condenação de Bendine no mês passado, mas já frisou que os processos devem ser analisados caso a caso, observando as peculiaridades de cada um.
Dois dos maiores críticos da Lava Jato no STF, Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski também votaram para derrubar a condenação do ex-gerente da Petrobras. “O combate a corrupção é um compromisso de todos nós, mas não se pode combater a corrupção cometendo crimes”, observou Gilmar.
O sexto voto a favor da tese de prazo diferenciado veio do decano do STF, ministro Celso de Mello. “É inegável que o acusado tem o direito de conhecer a síntese da acusação contra ele. Primeiro a acusação, depois a defesa. Pela aplicação da garantia da ampla defesa, a ordem deve ser memoriais do Ministério Público, memoriais do agente colaborador premiado e, em último lugar, memoriais do co-réu delatado.”
Triplex
De acordo com fontes ouvidas reservadamente pela reportagem, o entendimento a ser firmado pelo plenário do STF agora pode afetar processos de Lula como o do sítio de Atibaia, mas não a condenação imposta por corrupção passiva e lavagem de dinheiro no caso do ‘triplex do Guarujá’. Isso porque, no caso do apartamento, não havia réus com acordo de colaboração premiada homologado pela Justiça na época da condenação em primeira instância.