‘O sentimento é de gratidão’, diz maestro que voltou a enxergar após orar para Irmã Dulce

O baiano agraciado por um milagre de Irmã Dulce, o segundo reconhecido pelo Vaticano, detalhou como voltou a enxergar depois de passar 14 anos cego. O relato emocionado do maestro Maurício Moreira, de 50 anos, ocorreu durante a coletiva de imprensa, na manhã desta segunda-feira (1º), que anunciou a data da canonização da beata, marcada para 13 de outubro deste ano.

“Em 2014, eu tive uma conjuntivite e um derrame no olho. Sentia muita dor e não conseguia dormir. Eu peguei a imagem de Irmã Dulce, encostei no olho e pedi com muita fé que ela ajudasse a acabar com aquela dor. Eu não pedi pra voltar a enxergar. Só queria dormir sem dor. Após a oração eu bocejei e dormi. Quando acordei, minha esposa tinha colocado umas compressas no meu olho e quando eu fui tirando eu vi os vultos da minha mão”.

Maurício conta que teve glaucoma e começou a perder a visão em 1999. Conforme relatou, em 2000 ele já estava cego. Mas, em 2014, foi agraciado.

“Três semanas depois [de ver o vulto da mão] eu comecei a enxergar de vez. Liguei para o médico [que estava o acompanhando] e disse: ‘Está acontecendo algo estranho no meu olho’. O médico mandou eu ir na clínica, quando ele chegou eu disse que estava enxergando. Ele me examinou e disse que não sabia explicar o que aconteceu e disse: ‘Foi Deus’. E eu disse: ‘Deus e Irmã Dulce’”

O maestro e a família dele sempre admiraram Irmã Dulce. Maurício conta que tem uma imagem da beata que era da mãe dele, falecida em 2012, e agora é ele quem cuida com muito carinho.

“Obrigado a Irmã Dulce. Graças a ela eu estou aqui. O sentimento hoje é de gratidão”

Maurício é casado há quatro anos, mora em Recife há cerca de oito, mas ainda lembra dos momentos em que viveu em Salvador, e das histórias com Irmã Dulce.

“Eu a vi por três vezes. Uma vez eu fui visitá-la [onde hoje é o memorial]. Além disso, meu pai era gerente de uma loja de construção e ela sempre ia lá porque meu pai e o dono da loja a ajudava. Ela chegava lá e dizia: ‘O que tem pra mim hoje?’. E meu pai dava as coisas para ela manter as Obras Sociais. Eu a via de longe”, contou.

Aos 16 anos, Maurício também teve um encontro com a beata e relembra com carinho o momento.

“Eu era menor aprendiz do Banco do Brasil. Aí a encontrei no banco e fui beijar a mão dela. Em seguida ela deu um beijo na minha mão”, contou o maestro.

O baiano foi um dos convidados da cerimônia onde foi anunciada a data de canonização de Irmã Dulce. O evento foi realizado no Santuário Bem-Aventurada Dulce dos Pobres, no Largo de Roma, em Salvador. Sobre a participação na cerimônia de canonização, Maurício disse que até então ele não irá para Roma, mas revelou que gostaria muito de participar do evento.

Também houve anúncio no Vaticano, onde a cerimônia de canonização ocorrerá no dia 13 de outubro deste ano, durante o Sínodo da Amazônia.

Em Salvador, arcebispo da capital baiana e Primaz do Brasil, Dom Murilo Krieger, detalhou que a beata levará o nome santo de Santa Dulce dos Pobres e seu dia será celebrado sempre em 13 de agosto.

Canonização

O Vaticano anunciou a canonização de Irmã Dulce em maio deste ano, quando o segundo milagre atribuído à religiosa, também conhecida como “O Anjo bom da Bahia”, foi reconhecido por meio de decreto. Ela será a primeira mulher nascida no Brasil a se tornar santa.

A canonização de Irmã Dulce será a terceira mais rápida da história (27 anos após seu falecimento), atrás apenas da santificação de Madre Teresa de Calcutá (19 anos após o falecimento da religiosa) e do Papa João Paulo II (9 anos após sua morte).

Três graças alcançadas por devotos, após orações a Irmã Dulce, estavam sendo analisadas pelo Vaticano, com vista no processo de canonização da religiosa. Esses três casos foram enviados ao Vaticano pelas Obras Sociais Irmã Dulce (OSID), em 2014, após análise de profissionais da própria instituição.

O primeiro milagre foi reconhecido em outubro de 2010, quando Irmã Dulce foi beatificada. Depois disso, iniciou-se o processo para buscar a canonização, quando a pessoa passa a ser considerada santa pela Igreja Católica.

Além desses dois milagres reconhecidos, mais de 10 mil outros relatosfeitos por fiéis do mundo inteiro são armazenados pelas Obras Sociais Irmã Dulce (Osid), em Salvador. Há depoimentos de cura de câncer, superação de vício em drogas, conquista de emprego, solução de dívidas e problemas familiares e sobrevivência a acidentes graves.

O Vaticano tem quatro exigências quanto à veracidade da graça, até ser considerada milagre: ser preternatural (a ciência não consegue explicar), instantâneo (acontecer imediatamente após a oração), duradouro e perfeito.

Frei Galvão, conhecido pelas pílulas milagrosas que, segundo a fé católica, têm poder de cura e que nasceu em 1739, em Guaratinguetá, no interior de São Paulo, foi o primeiro santo nascido no Brasil a ser canonizado, em 11 de maio de 2007, pelo então Papa Bento XVI.

Madre Paulina, que morava em Santa Catarina, também foi canonizada e ficou conhecida como a primeira santa do Brasil. Ela, no entanto, nasceu na Itália e só veio morar no país com a família aos 10 anos. Com isso, Irmã Dulce se tornará a primeira santa nascida no Brasil.

História e legado

Irmã Dulce, cujo nome de batismo era Maria Rita de Souza Brito Lopes Pontes, é recordada por sua obras de caridade e de assistência aos pobres e necessitados. Religiosa da Congregação das Irmãs Missionárias da Imaculada Conceição da Mãe de Deus, a beata nasceu em Salvador, em 26 de maio de 1914.

Desde cedo manifestou interesse pela vida religiosa. Aos 13 anos de idade, passou a acolher mendigos e doentes em sua casa, transformando a residência da família – na Rua da Independência, 61, no bairro de Nazaré – em um centro de atendimento. A casa ficou conhecida como “A Portaria de São Francisco”, por conta do grande número de carentes que se aglomeravam a sua porta.

Em 1933, a jovem ingressou na Congregação das Irmãs Missionárias da Imaculada Conceição da Mãe de Deus, no Convento de Nossa Senhora do Carmo, cidade de São Cristóvão, em Sergipe. No mesmo ano, recebeu o hábito e adotou o nome de Irmã Dulce, em homenagem à sua mãe, que se chamava Dulce Maria de Souza Brito Lopes Pontes e morreu quando a freira tinha 7 anos.

No ano de 1935, já de volta a Salvador, dava assistência à comunidade pobre de Alagados, conjunto de palafitas que se consolidara na parte interna do bairro de Itapagipe. Nessa mesma época, começa a atender também os operários que eram numerosos naquele bairro, criando um posto médico e fundando, em 1936, a União Operária São Francisco – primeira organização operária católica do estado, que depois deu origem ao Círculo Operário da Bahia.

Em 1939, Irmã Dulce invadiu cinco casas na localidade da Ilha do Rato, na capital baiana, para abrigar doentes que recolhia nas ruas de Salvador. Expulsa do lugar, ela peregrinou durante uma década, levando os seus doentes por vários locais da cidade.

Por fim, em 1949, Irmã Dulce ocupou um galinheiro ao lado do Convento Santo Antônio, após autorização da sua superiora, com os primeiros 70 doentes. A iniciativa deu origem à história propagada há décadas pelo povo baiano de que a freira construiu o maior hospital da Bahia a partir de um simples galinheiro.

Já em 1959, é instalada oficialmente a Associação Obras Sociais Irmã Dulce (Osid), e no ano seguinte é inaugurado o Albergue Santo Antônio.

A Osid atualmente é um dos maiores complexos de saúde com atendimento 100% gratuito do Brasil, com 3,5 milhões de atendimentos ambulatoriais por ano a usuários do Sistema Único de Saúde (SUS), entre idosos, pessoas com deficiência e com deformidades craniofaciais, pacientes sociais, crianças e adolescentes em situação de risco social,dependentes de substâncias psicoativas e pessoas em situação de rua.

Segundo a instituição, nos últimos 25 anos a entidade contabiliza 60 milhões de atendimentos ambulatoriais e mais de 280 mil cirurgias realizadas, o que dá uma média de aproximadamente 30 cirurgias por dia.

Irmã Dulce faleceu no dia 13 de março de 1992, aos 77 anos, no Convento Santo Antônio, em Salvador.

Fonte: g1.com