Foi como acordar em meio a um pesadelo e constatar que, na verdade, era real: em plenas 23h do dia 15 de maio, a cuidadora de idosos Jacinta Rodrigues, 65, estava no trabalho quando atendeu uma ligação da irmã e ouviu apenas uma informação: “tua casa tá pegando fogo!” A essa altura, o incêndio causado por um curto-circuito já havia destruído completamente o quarto de Jacinta, no Bairro Demócrito Rocha, periferia de Fortaleza.
Móveis, imagens de santos, telhado, a estrutura do cômodo e até os documentos da cuidadora foram atingidos pelas chamas – controladas com a ajuda dos vizinhos e que, por pouco, não vitimaram o cachorro e pai dela, o aposentado Afonso Rodrigues Santos, de 101 anos de idade. No momento do incêndio, o idoso estava sob os cuidados da filha Raimunda Rodrigues, irmã de Jacinta.
“Pensei que fosse alguma coisa com o meu pai, quando minha irmã ligou. Mas ela avisou o que tava acontecendo e corri pra casa. Quando cheguei, parei na porta e vi todo o estrago. Fiquei sem chão, sem teto, sem nada. Foi muito difícil”, relembra a cuidadora, que teve a história contada no CETV 1ª Edição e assistida pelo professor Derlânio Heulle – que transformou a tragédia em uma história de solidariedade. “Ela ficou descrente quando ofereci ajuda. E eu só falei: não chore, não se abata, isso vai mudar”, conta o professor.
Reforma
Ao tomar conhecimento da história, o jovem mobilizou amigos e moradores do bairro em um mutirão para ajudar a reconstruir a parte da casa destruída e recuperar os pertences de Jacinta. “Quando terminou a reportagem, vesti a roupa e disse ‘vou lá ajudar essa senhora, porque é da minha comunidade, do meu povo’. Cheguei, conversei e disse que iria ajudá-la. Ela demorou a acreditar, mas aceitou, e a partir daí começou a ação: comprei telhas, caibros novos, tudo no meu cartão de crédito. Depois, outras pessoas boas foram ajudando”, relata.
Os amigos de Derlânio – o também professor Pedro Falcão e a psicóloga Alana Cordeiro – e a comunidade, então, arrecadaram os valores necessários para compra de materiais. “Trocamos toda a fiação da casa, porque poderia dar curto circuito em outro cômodo. Para a mão de obra, contamos com um senhor, o José Bezerra, que mesmo desempregado chegou lá pra prestar ajuda de graça. Mas ele acabou recebendo ajuda também, porque nos conscientizamos da situação dele e pagamos por alguns serviços”, declara o professor.
Após 19 dias de trabalho, as manchas pretas deixadas pelo fogo passaram a figurar somente nas fotos – porque a própria Jacinta preferiu apagá-las da memória, deixando lugar apenas para a beleza das paredes em cor lilás e dos quadros decorativos que Derlânio fez questão de pendurar na casa. “Eu não lembro mais daquele momento e de como ficou minha casa. Quero lembrar de hoje. Toda regra tem exceções, e esse menino e quem me ajudou é uma delas. Só quero agradecer a todo mundo”, comemora a cuidadora de idosos.