Um grupo de voluntários instalou uma geladeira em uma calçada na Rua Siqueira Campos, no Centro do Recife, para oferecer alimentos a moradores de rua e incentivar a solidariedade em quem passa pelo local.
Abastecido por pessoas anônimas, que podem deixar os alimentos no eletrodoméstico, o refrigerador fica disponível para que pessoas em situação de vulnerabilidade peguem, gratuitamente, o que precisam para se alimentar.
A geladeira foi instalada ao lado do prédio da Procuradoria-Geral do Estado de Pernambuco (PGE-PE) no dia 1º de abril, por pessoas que preferem não se identificar. Ao todo, elas gastaram R$ 450 para comprar a geladeira usada e mantê-la abastecida nos primeiros dias da iniciativa.
Uma das voluntárias afirma que a ideia veio a partir de uma ação semelhante realizada em Goiânia (GO). No caso da geladeira no Centro do Recife, quem não tinha dinheiro contribuiu com o que podia: alimentos, tempo e boa vontade. A fonte de eletricidade vem de uma associação de servidores públicos.
“O investimento é baixo e quem precisa agradece muito. Começamos com duas pessoas e o grupo aumentou para umas 12. Algumas ajudaram na instalação, outras deram dinheiro. É um trabalho de formiguinha. Sabemos que isso não é a solução dos problemas de quem mora na rua, mas, quando alguém não está alimentado, fica difícil até pensar em mudar de vida”, diz uma voluntária.
“O apoio é para qualquer pessoa que não conseguiu a renda do dia para se alimentar. Alguém que vem do interior para o médico, por exemplo, ou um trabalhador que esteja precisando de alimento ou água. O custo mensal disso é R$ 50. Dividido por dez pessoas, dá R$ 5, todos podem fazer algo assim. É tanta coisa nos bombardeando no dia a dia que a gente esquece quem está do lado”, diz.
A geladeira na calçada chamou a atenção do vendedor Djalma Lira. Ao passar pelo local, ele não tinha nada para doar, mas aproveitou a iniciativa para espalhar o bem pelo caminho. Morador do bairro de Areias, na Zona Oeste do Recife, Djalma pegou algumas bananas do refrigerador para distribuir entre pessoas em situação de vulnerabilidade em outro ponto do Centro do Recife.
“Tem um pessoal perto do Camelódromo [no bairro de Santo Antônio] a quem eu sempre dou alguma coisa. No Centro do Recife, a gente vê demais gente sofrendo, sem ter o que comer. Vi a geladeira agora e vou me tornar doador”, afirma.
Aos 31 anos de idade, Fábio Ramos precisou sair da comunidade onde morava em outubro de 2018, após um mal entendido com um vizinho, no bairro do Cordeiro, na Zona Oeste do Recife. Morando na rua próximo ao prédio da PGE-PE, ele diz ajudar nos cuidados com a geladeira.
“Isso aqui foi um presente de Deus porque, na madrugada, a gente nunca tem o que comer. Saíamos daqui para outros bairros para conseguir almoço, às vezes tínhamos que ficar estourando coco para ter o que comer. Quando me dão água, eu boto dentro da geladeira, porque já ajuda quem quer tomar um gole geladinho nesse calor”, afirma.
Assim como os voluntários que instalaram a geladeira, Fábio deseja que a ideia seja aplicada em outros locais, já que uma única geladeira não dá conta da quantidade de pessoas que precisam de iniciativas como essa.
“Tem muita gente que mora aqui, ao redor da geladeira. Mesmo assim, vem gente de outros lugares para pegar comida. E o que se pode fazer, se é para todo mundo? Se está cheio de comida hoje, amanhã começa o dia vazio, mas já é uma força muito grande para quem mora na rua”, conta.
Há 32 anos morando nas ruas, Elizabete Santana, de 41 anos de idade, vive em uma situação de vulnerabilidade social desde criança e diz conhecer bem as dificuldades enfrentadas por quem mora nas ruas do Centro do Recife.
“A gente tem que pedir muito para conseguir alguma comida. O domingo é o pior dia, porque tudo está fechado. Já morei em muitos lugares aqui do Centro e já vi muita coisa, principalmente sendo mulher. É muito comum ter briga de faca por comida por aqui. Isso não devia acontecer”, afirma.
A geladeira fica disponível aos doadores e aos beneficiados diariamente, 24 horas por dia, sem supervisão. Por causa disso, há relatos de pessoas que abusaram da iniciativa. Entretanto, segundo os voluntários, a vontade de ajudar os outros segue forte.
“Sabemos que há riscos, mas, se alguém levou, é porque está precisando mais que um morador de rua. Também sabemos que, no início, talvez haja abusos, porque as pessoas se sentem atraídas, mas, com a continuidade da ação, isso deve diminuir. Também não estamos preocupados com isso. Queremos mudar a energia do Recife, deixar a energia do solidário”, declara uma voluntária.
Fonte: G1.com