Após denúncia, a Fiscalização Preventiva e Integrada da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco (FPI) constatou graves problemas estruturais nas casas entregues aos índios Kariris-Xocós pelo programa do governo federal ‘Minha Casa, Minha Vida’, no município de Porto Real do Colégio, interior de Alagoas. A entrega dos imóveis ocorreu em novembro de 2017.
De acordo com integrantes do Ministério Público Federal em Alagoas (MPF-AL), que estiveram nesta quinta-feira (8), na aldeia indígena, as unidades apresentavam rachaduras nas paredes e calçadas; irregularidades nas instalações elétricas; material de construção de baixa qualidade; afundamento do piso; cupim na madeira e portas sem fechaduras.
Segundo a fiscalização, as fossas das casas estavam com suspiros simulados – com o cano seguro apenas por um prego não chegando até a fossa – provocando assim um forte mau cheiro nas residências. Além disso, as residências não têm numeração, nem rede de abastecimento de água.
De acordo com o cacique dos Kariris-Xocós, José Cícero Queiroz, e os agentes públicos da equipe de Comunidades Tradicionais, uma das residências em pior estado estava com o piso inclinado e uma rachadura na parede que permitia que uma mão a atravessasse.
“Quando a comunidade recebeu as casas, não havia rachaduras. Pouco depois de entrarmos nas casas, começamos a notar os problemas, que surgiram em alguns meses. A gente precisa das casas porque não tem para onde ir. É um grande falta de respeito conosco e uma irresponsabilidade do governo”, disse o cacique.
A entrega das 200 unidades do Conjunto Kariri III coube a um banco federal, depois da construtora contratada demorar dois anos para concluir as obras com recursos da União. Os moradores reclamam da cobrança das parcelas do financiamento, que retrocedem a 2016.
Em conjunto aos muitos transtornos, o atraso na entrega do conjunto e de outros residenciais populares foi alvo de um inquérito civil público do MPF-AL. Com as denúncias, o órgão ministerial vai apurar também o porquê das casas terem sido entregues em tal estado.
“Ao que consta, a Caixa Econômica Federal é responsável pelo financiamento e por atestar a higidez das casas para poder recebê-las. Precisamos agora apurar com bastante rigor quem foram os fiscais do banco que realizaram o atesto e o porquê desse recebimento, já que as casas apresentam graves problemas estruturais apenas cinco meses depois de serem entregues”, disse o procurador da República Bruno Lamenha.
A reportagem do G1 entrou em contato com a assessoria de comunicação da Caixa Econômica Federal e aguarda o posicionamento sobre o financiamento e o atestado de higidez das casas.
O procurador entende ainda que o banco deve acionar a construtora para reparação das casas. “A construtora Cooperativa Mixta da Agricultura também tem responsabilidade porque recebeu para entregar algo que ela efetivamente não entregou”, completou o representante do órgão ministerial, que a depender da investigação, pode adotar medidas nas esferas cível e penal”, completou.
Foram registrados ainda problemas nas obras de outros residenciais realizadas por construtoras diferentes e na prestação de serviços públicos essenciais à comunidade, como abastecimento de água, saúde, transporte e estrutura escolar a fim de garantir educação indígena para os Kariris-Xocós.
A prefeitura de Porto Real do Colégio foi procurada pelo G1, mas as ligações não foram atendidas.
Desmatamento
A Equipe Flora da FPI também visitou o território que se estende pelos municípios de Porto Real do Colégio e São Brás. Na ocasião, agentes do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) lavraram dois autos de infração em desfavor de um fazendeiro.
O primeiro auto se deu por descumprir embargos realizados em 2016 de uma área de 260 hectares e outra de dez, sendo esta em área de preservação permanente.
Já a segunda infração foi impedir a regeneração natural da mata nativa, que também levou os fiscais a notificar o atual proprietário para tirar o gado da área.
A supressão vegetal avançou pelo território sagrado dos Kariris-Xocós, o Ouricuri. Segundo o pajé Júlio Queiroz Silva, dos 220 hectares originais do local destinado aos rituais, restaram apenas 100.
“Há 400 anos que essa comunidade existe, seguindo valores de respeito, igualdade e humanidade. De 15 em 15 dias, trago a comunidade para passar duas, três noites aqui [no Ouricuri] para doutrinar todos no nosso regime”, relatou o líder espiritual.
Além dos órgãos citados, participaram da fiscalização em Porto Real do Colégio representantes do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco (CBHSF), Ministério Público Estadual (MP-AL), Batalhão de Policiamento Ambiental (BPA), Polícia Rodoviária Federal (PRF), Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e Fundação Nacional do Índio (Funai).
Proteção constitucional
Segundo a Constituição Federal, é competência do Ministério Público defender judicialmente os direitos e interesses das populações indígenas. A Carta Magna também prescreve que o Estado protegerá as manifestações das culturas populares, indígenas e afro-brasileiras e das de outros grupos participantes do processo civilizatório nacional.
No que se refere às terras indígenas, elas alcançam o território de suas atividades produtivas, imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições.
Conforme a Constituição Federal, as “terras tradicionalmente ocupadas pelos índios destinam-se a sua posse permanente, cabendo-lhes o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes”.
Fonte: G1 nordeste