Imóveis do ‘Minha Casa, Minha Vida’ de aldeia indígena apresentam problemas estruturais em Porto Real do Colégio, AL

Após denúncia, a Fiscalização Preventiva e Integrada da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco (FPI) constatou graves problemas estruturais nas casas entregues aos índios Kariris-Xocós pelo programa do governo federal ‘Minha Casa, Minha Vida’, no município de Porto Real do Colégio, interior de Alagoas. A entrega dos imóveis ocorreu em novembro de 2017.

De acordo com integrantes do Ministério Público Federal em Alagoas (MPF-AL), que estiveram nesta quinta-feira (8), na aldeia indígena, as unidades apresentavam rachaduras nas paredes e calçadas; irregularidades nas instalações elétricas; material de construção de baixa qualidade; afundamento do piso; cupim na madeira e portas sem fechaduras.

Segundo a fiscalização, as fossas das casas estavam com suspiros simulados – com o cano seguro apenas por um prego não chegando até a fossa – provocando assim um forte mau cheiro nas residências. Além disso, as residências não têm numeração, nem rede de abastecimento de água.

Rachadura na parede de uma das casas em Porto Real do Colégio permitia que uma mão a atravessasse, disse o cacique dos Kariris-Xocós, José Cícero Queiroz  (Foto: Jonathan Lins/MPE) Rachadura na parede de uma das casas em Porto Real do Colégio permitia que uma mão a atravessasse, disse o cacique dos Kariris-Xocós, José Cícero Queiroz  (Foto: Jonathan Lins/MPE)

Rachadura na parede de uma das casas em Porto Real do Colégio permitia que uma mão a atravessasse, disse o cacique dos Kariris-Xocós, José Cícero Queiroz (Foto: Jonathan Lins/MPE)

De acordo com o cacique dos Kariris-Xocós, José Cícero Queiroz, e os agentes públicos da equipe de Comunidades Tradicionais, uma das residências em pior estado estava com o piso inclinado e uma rachadura na parede que permitia que uma mão a atravessasse.

“Quando a comunidade recebeu as casas, não havia rachaduras. Pouco depois de entrarmos nas casas, começamos a notar os problemas, que surgiram em alguns meses. A gente precisa das casas porque não tem para onde ir. É um grande falta de respeito conosco e uma irresponsabilidade do governo”, disse o cacique.

Rachaduras se apresentavam também nas calçadas da comunidade índigena em Porto Real do Colégio (Foto: Jonathan Lins/MPE) Rachaduras se apresentavam também nas calçadas da comunidade índigena em Porto Real do Colégio (Foto: Jonathan Lins/MPE)

Rachaduras se apresentavam também nas calçadas da comunidade índigena em Porto Real do Colégio (Foto: Jonathan Lins/MPE)

A entrega das 200 unidades do Conjunto Kariri III coube a um banco federal, depois da construtora contratada demorar dois anos para concluir as obras com recursos da União. Os moradores reclamam da cobrança das parcelas do financiamento, que retrocedem a 2016.

Em conjunto aos muitos transtornos, o atraso na entrega do conjunto e de outros residenciais populares foi alvo de um inquérito civil público do MPF-AL. Com as denúncias, o órgão ministerial vai apurar também o porquê das casas terem sido entregues em tal estado.

“Ao que consta, a Caixa Econômica Federal é responsável pelo financiamento e por atestar a higidez das casas para poder recebê-las. Precisamos agora apurar com bastante rigor quem foram os fiscais do banco que realizaram o atesto e o porquê desse recebimento, já que as casas apresentam graves problemas estruturais apenas cinco meses depois de serem entregues”, disse o procurador da República Bruno Lamenha.

A reportagem do G1 entrou em contato com a assessoria de comunicação da Caixa Econômica Federal e aguarda o posicionamento sobre o financiamento e o atestado de higidez das casas.

O procurador entende ainda que o banco deve acionar a construtora para reparação das casas. “A construtora Cooperativa Mixta da Agricultura também tem responsabilidade porque recebeu para entregar algo que ela efetivamente não entregou”, completou o representante do órgão ministerial, que a depender da investigação, pode adotar medidas nas esferas cível e penal”, completou.

Foram registrados ainda problemas nas obras de outros residenciais realizadas por construtoras diferentes e na prestação de serviços públicos essenciais à comunidade, como abastecimento de água, saúde, transporte e estrutura escolar a fim de garantir educação indígena para os Kariris-Xocós.

A prefeitura de Porto Real do Colégio foi procurada pelo G1, mas as ligações não foram atendidas.

Índios têm sofrido com diversas irregularidades estruturais em casas do governo federal em Porto Real do Colégio (Foto: Jonathan Lins/MPE) Índios têm sofrido com diversas irregularidades estruturais em casas do governo federal em Porto Real do Colégio (Foto: Jonathan Lins/MPE)

Índios têm sofrido com diversas irregularidades estruturais em casas do governo federal em Porto Real do Colégio (Foto: Jonathan Lins/MPE)

Desmatamento

A Equipe Flora da FPI também visitou o território que se estende pelos municípios de Porto Real do Colégio e São Brás. Na ocasião, agentes do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) lavraram dois autos de infração em desfavor de um fazendeiro.

O primeiro auto se deu por descumprir embargos realizados em 2016 de uma área de 260 hectares e outra de dez, sendo esta em área de preservação permanente.

Já a segunda infração foi impedir a regeneração natural da mata nativa, que também levou os fiscais a notificar o atual proprietário para tirar o gado da área.

A supressão vegetal avançou pelo território sagrado dos Kariris-Xocós, o Ouricuri. Segundo o pajé Júlio Queiroz Silva, dos 220 hectares originais do local destinado aos rituais, restaram apenas 100.

“Há 400 anos que essa comunidade existe, seguindo valores de respeito, igualdade e humanidade. De 15 em 15 dias, trago a comunidade para passar duas, três noites aqui [no Ouricuri] para doutrinar todos no nosso regime”, relatou o líder espiritual.

Além dos órgãos citados, participaram da fiscalização em Porto Real do Colégio representantes do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco (CBHSF), Ministério Público Estadual (MP-AL), Batalhão de Policiamento Ambiental (BPA), Polícia Rodoviária Federal (PRF), Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e Fundação Nacional do Índio (Funai).

Proteção constitucional

Segundo a Constituição Federal, é competência do Ministério Público defender judicialmente os direitos e interesses das populações indígenas. A Carta Magna também prescreve que o Estado protegerá as manifestações das culturas populares, indígenas e afro-brasileiras e das de outros grupos participantes do processo civilizatório nacional.

No que se refere às terras indígenas, elas alcançam o território de suas atividades produtivas, imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições.

Conforme a Constituição Federal, as “terras tradicionalmente ocupadas pelos índios destinam-se a sua posse permanente, cabendo-lhes o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes”.

Fonte: G1 nordeste