Casos sobre lives em palácios e reuniões com cantores sertanejos e governadores podem levar à inelegibilidade
O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) julga nesta terça-feira (10) três ações contra o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e seu então candidato a vice nas eleições de 2022, o ex-ministro Walter Braga Netto (PL). A sessão começa às 19h.
As ações acusam a chapa de abuso de poder político por atos feitos em prédios públicos. São contestados, por exemplo, lives com finalidade eleitoral, reuniões com governadores eleitos e encontros com cantores sertanejos nos palácios da Alvorada e do Planalto.
Duas das ações foram apresentadas ao TSE pelo PDT e a terceira, pela Coligação Brasil da Esperança, que tinha Luiz Inácio Lula da Silva (PT) como candidato. Os três processos serão julgados em conjunto, pela semelhança dos fatos analisados.
As agremiações pedem a condenação de Bolsonaro e Braga Netto. O tipo da ação, chamada de Aije (ação de investigação judicial eleitoral), pode levar à declaração de inelegibilidade.
Eventual punição do tipo afetaria Braga Netto, que poderia ficar fora de eleições por oito anos. Bolsonaro não seria impactado diretamente, pois ele já está inelegível por um outro processo do tipo, movido pelo PDT, por uma reunião com embaixadores em que fez ataques ao sistema eleitoral.
Por outro lado, uma segunda punição ao ex-presidente seria um obstáculo a mais na tentativa de reverter a inelegibilidade por meio de recursos.
A defesa de Bolsonaro já acionou o Supremo Tribunal Federal (STF) contra a primeira condenação. Teria que preparar uma segunda investida de recursos, que não suspendem os efeitos da inelegibilidade durante sua tramitação.
Os casos poderão continuar a ser julgados na sessão de 17 de outubro, se for preciso mais tempo para a análise. Para o mesmo dia, o TSE também pautou o início do julgamento das primeiras duas ações de investigação eleitoral da campanha de Bolsonaro contra Lula.
O Ministério Público Eleitoral defendeu no processo a absolvição de Bolsonaro e Braga Netto.
Passo a passo
O julgamento começará com a leitura do relatório (resumo do caso e da tramitação do processo) pelo relator, ministro Benedito Gonçalves. O magistrado é o corregedor-geral da Justiça Eleitoral.
Depois, o presidente do TSE, ministro Alexandre de Moraes, passará a palavra à acusação e à defesa. Os advogados poderão falar por 15 minutos para cada parte envolvida.
Na sequência, fala o representante do Ministério Público Eleitoral. Benedito Gonçalves então retoma a palavra para apresentar seu voto.
Os demais ministros votam depois do relator, nessa sequência: Raul Araújo, Floriano de Azevedo Marques, Ramos Tavares, Cármen Lúcia, Nunes Marques e, por último, Alexandre de Moraes.
A condenação à inelegibilidade é um tipo de sanção chamada “personalíssima”, ou seja, só afeta quem for efetivamente responsável pela conduta julgada ilícita. Assim, é possível que a inelegibilidade seja aplicada só a parte dos investigados em determinada ação, livrando os demais de sofrer essa punição.
As ações
Os processos movidos pelo PDT tratam de lives nos palácios do Planalto e da Alvorada. A sigla argumentou que os locais são bens públicos que ficam à disposição do presidente da República e que foram usados em proveito de sua candidatura à reeleição.
O Palácio da Alvorada é a residência oficial do presidente da República. Já o Palácio do Planalto é a sede do Poder Executivo Federal e onde está o gabinete do presidente. Ou seja, é seu local oficial de trabalho.
O PDT cita especificamente uma transmissão, feita em 21 de setembro na biblioteca do Alvorada, em que Bolsonaro anuncia que faria lives diárias.
O então deputado e candidato a governador de Goiás Major Victor Hugo (PL) participou do vídeo e convidou a audiência para um ato de campanha. Bolsonaro também usou “todo o aparato mobiliário” do palácio, além dos “serviços da intérprete de libras, custeado pelo erário, para a veiculação da live de cunho eleitoral”, conforme o processo.
Foi nessa ação que o TSE proibiu, no fim de setembro, que Bolsonaro gravasse lives com cunho eleitoral nos dois palácios.
Em outra ação, o PDT acusa Bolsonaro de ter transformado as suas tradicionais lives de quinta-feira em “comício on-line” com duração de quase uma hora. O partido destaca uma transmissão feita em agosto, em que o então presidente pediu votos “de maneira explicita para si e para 17 aliados políticos, chegando ao ápice de mostrar o ‘santinho’ de cada um deles”.
Conforme o processo, Bolsonaro se valeu da condição de chefe do Executivo para atrair à live a audiência de cidadãos interessados em seus atos de gestão, para “depois fustigá-los com propaganda eleitoral”.
Já a ação apresentada pela coligação de Lula diz respeito a seis atos de campanha no Planalto e no Alvorada durante o segundo turno.
São questionados, por exemplo, encontros com governadores reeleitos no primeiro turno: Romeu Zema (MG), Cláudio Castro (RJ), Ibaneis Rocha (DF) e Ratinho Jr (PR).
Outro momento contestado é o almoço com artistas e cantores sertanejos no Palácio da Alvorada. Estiveram com Bolsonaro Gusttavo Lima, Leonardo, Chitãozinho, Fernando Zor, Zezé di Camargo e Marrone, em 17 de outubro.
Na ocasião, o então presidente defendeu ações do seu governo para o agronegócio e para produtores rurais.
Conforme argumenta a coligação autora da ação, em todos os atos foram feitas entrevistas coletivas à imprensa, com declarações de apoio à reeleição de Bolsonaro.
O que diz a defesa de Bolsonaro
Pela lei das eleições, funcionários públicos não podem usar bens da União, estados, Distrito Federal e municípios em benefício de candidatos, partidos ou coligações. Também é proibido o uso da residência oficial para contatos, encontros ou reuniões de candidatos em campanha que tenham caráter de “ato público”.
Os advogados de Bolsonaro disseram no processo que não houve qualquer abuso por Bolsonaro e que não houve participação ou “anuência” de Braga Netto no caso das lives.
Segundo a defesa, a jurisprudência do TSE é tolerante com a conduta do ex-presidente, “que se valeu de suas redes privadas e pessoais para realização de uma simples live, utilizando como pano de fundo a biblioteca do Palácio da Alvorada, o mesmo local utilizado nas eleições anteriores em bate-papo virtual promovido pela ex-Presidente Dilma Rousseff”.
Os advogados também disseram que não houve uso de funcionários públicos e que a atuação de intérprete de Libras se deu de forma “voluntária” e fora do seu horário de expediente.
A defesa também fala em “censura” contra Bolsonaro, que teria sido “visivelmente policiado, impedido e perseguido, por seus adversários políticos, no exercício de suas atividades correlatas de Chefe de Estado”.
“Não se mostra legítimo o cerceamento ao discurso do Investigado Jair Messias Bolsonaro, que se valeu de uma ferramenta demasiadamente simples (uma live) para chegar aos seus apoiadores, disponível para qualquer um dos demais candidatos, bastando que se valessem de um celular e de uma rede de internet”, argumentaram.
No caso dos encontros com governadores e sertanejos, a defesa disse que não havia comprovação de que os prédios públicos foram usados para fins de propaganda eleitoral ou de que os encontros tenham se dado para tratar exclusivamente de questões eleitorais.
A defesa ainda afirmou que as reuniões não resultaram em desequilíbrio na disputa.
“Não há a presença de qualquer dos símbolos da República (bandeira nacional, brasão ou selo), biblioteca, fotografias ou qualquer meio de identificação do local que pudesse, eventualmente, ensejar algum tipo de ganho competitivo aos candidatos Investigados.”
Ministério Público
A manifestação do Ministério Público Eleitoral (MPE) foi assinada pelo vice-procurador-geral Eleitoral, Paulo Gonet. Ele é um dos cotados para assumir a Procuradoria-Geral da República (PGR). A Escolha cabe a Lula e é preciso passar por aprovação no Senado.
No documento, Gonet disse entender que não há nos processos elementos que permitam, com mínima segurança, garantir que o fato de usar prédios públicos para as transmissões ao vivo na internet tenha sido fator de impacto substancial sobre a legitimidade das eleições.
“A indispensável comprovação de um desvio de finalidade qualificado pela consequência da quebra da legitimidade do pleito diante ainda de um concreto comprometimento do equilíbrio entre os competidores eleitorais não se mostra satisfeita”, sustentou.
De acordo com o vice-procurador-geral Eleitoral, não houve um adequado esclarecimento sobre se os encontros foram exclusivamente realizados com finalidade eleitoral, nem sobre os custos estimados, nem sobre a repercussão concreta dos encontros no contexto da disputa eleitoral.
“Não há se dar como provado o abuso do poder político, com o grau de persuasão que as especialmente gravosas consequências desse ilícito exigem”, completou Gonet.
Outro ponto questionado é o uso de intérprete de libras contratada pelo poder público que teria sido usada nas lives. “A mesma incerteza recai sobre as repercussões da live, ressaltando-se não haver prova de que a intérprete de libras tenha atuado durante o período de trabalho no serviço público.”
Gonet reconhece haver indícios de que a gravação ocorreu na biblioteca do Palácio da Alvorada, dedução a que se chegaria pela sindicância da decoração do local, vista no fundo das imagens. Mas, para ele, a localização da sede de onde a live partiu “não se mostrou de notória evidência para os expectadores durante a apresentação feita pelo candidato à reeleição”.
“Assim, a discussão em si sobre a possibilidade de realização de lives no palácio perde interesse, ante a falta de evidência da repercussão danosa do fato sobre a legitimidade do processo eleitoral, elemento que o conceito de abuso do poder político supõe para fins de inflição da pena de inelegibilidade”, concluiu.
fonte:CNN