O número de assassinatos contra pessoas indígenas registrou aumento de 33% no Ceará no ano passado em comparação ao ano anterior. Os dados são dos Relatórios Violência Contra os Povos Indígenas no Brasil, do Conselho Indigenista Missionário (Cimi). A edição de 2023, publicada no último dia 22 de julho, revelou quatro casos registrados no Estado. O documento de 2022 apontou para três assassinatos.
Os dados do relatório foram obtidos através de informações dos regionais do Cimi, de comunidades indígenas e de veículos de comunicação, além de fontes públicas da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), do Sistema de Informação sobre Mortalidade (Sim) e de secretarias estaduais de saúde.
Entre os casos do ano passado, apenas um assassinato foi descrito no relatório. Uma professora de 34 anos foi morta a facadas no Sítio Fernandes, no município de Aratuba, a 124,15 quilômetros de Fortaleza, em julho de 2023. A vítima foi identificada como Maria Gerlane Silva Oliveira. O suspeito do crime, o companheiro da vítima, foi encontrado morto na área do crime. Já no ano anterior, não foi descrito nenhum caso.
O relatório também trouxe o cenário nacional de casos de violência. Em 2023, foram 208 assassinatos e no ano anterior, 180 mortes, representando um aumento de 15%. Ao longo do documento, também foram divulgados os números de homicídios culposos, abuso de poder, ameaças, lesões corporais, racismo, tentativa de assassinato e violência sexual contra povos originários.
O Estado, no entanto, não apresentou registro das demais categorias no documento. Apesar do cenário de aumento entre um ano e o outro, esse é o melhor panorama em relação aos últimos cinco anos de casos de assassinatos contra os povos originários no Estado. Nos últimos cinco anos, o Ceará teve uma queda de 42% em relação a 2018, que registrou sete assassinatos no período.
No ano seguinte, foram oito casos, e em 2020, o Estado teve o maior número de crimes contra a pessoa indígena, com 15 assassinatos. Em 2021, foram registrados cinco casos de violência contra os povos indígenas.
De acordo com o relatório, o primeiro ano do governo Lula foi marcado pela retomada de ações de fiscalização e repressão às invasões em alguns territórios indígenas, mas a demarcação de terras e as ações de proteção e assistência às comunidades permanecem insuficientes.
O Ministério dos Povos Indígenas (MPI) disse, em nota, ao O POVO, na última quarta-feira, 7, que, durante o ano de 2023, atuou para frear os processos de destruição dos modos de vida dos indígenas brasileiros.
Entre eles a presença em campo, mediação de conflitos, demarcação de terras indígenas e desintrusão. “Uma articulação interministerial e interfederativa para agir em diversas frentes e buscar o fim do ciclo de violações de direitos humanos dos indígenas”, disse.
O órgão federal afirmou que, durante o ano de 2023, a atual gestão, com o auxílio e coordenação do MPI, atuou para frear os processos de destruição dos povos originários.
“O ano passado foi marcado pela retomada de ações e medidas do Estado para remediar e contornar processos em locais de difícil acesso e que demandam um esforço multidisciplinar, cujos efeitos são perceptíveis a curto, médio e longo prazos”, disse.
O Ministério afirma que o atual governo federal herdou um cenário de “sucateamento, desmonte e negacionismo no tocante ao meio ambiente, saúde e política indigenista”. Além disso, alguns ainda auxiliam para o aumento do cenário de violência.
Entre eles a instabilidade gerada pela lei do marco temporal 14.701/23, que tem como consequência não só a incerteza jurídica sobre as definições territoriais que afetam os povos indígenas, mas abre ocasião para atos de violência que têm os indígenas como as principais vítimas.
O sociólogo e coordenador do Laboratório de Estudos da Violência (Lev), da Universidade Federal do Ceará (UFC), César Barreira, avalia o cenário de violência mediante a falta de ações de proteção para os povos originários.
Entre elas a falta da demarcação das regiões a partir do cenário da disputa das terras. “Se a terra é demarcada, ela requer proteção. Se há demarcação, o Estado tem que proteger”, afirma.
Ainda segundo Barreira, as forças de segurança também têm que trabalhar cada vez mais com a complexidade do mundo contemporâneo, que, além dos povos indígenas, envolve também a proteção da juventude, mulheres e população LGBTQIA+.
O coordenador do Lev pontua que a criação de políticas públicas mais específicas à população é um dos principais caminhos para frear o cenário da violência.
Dados da Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social do Estado do Ceará (SSPDS), por meio do painel de estatísticas da Superintendência de Pesquisa e Estratégia de Segurança Pública (Supesp), mostram, ainda um cenário preocupante.
Entre 2019 e 2023, o Estado teve 20 crimes contra pessoas indígenas, sendo registrado homicídios dolosos e feminicídio. Os dados foram consolidados nesta terça-feira, 13. Ao todo, foram 17 homicídios contra contra adultos, sendo a maioria dos casos com vítimas de 20 a 30 anos de idade, e três crimes em desfavor de idosos.
As ocorrências foram registrados em nos municípios de Itapajé, Aratuba, Fortaleza, Pedra Branca, Pacatuba, Fortim, Milhã, Tamboril, Monesenhor Tabosa, Cascavel, Caucaia, Aratuba, Iguatu, Aracoiaba e Crateús.
Questionada sobre ações diante das ocorrências contra os povos originários, a SSPDS informou, em nota, na quinta-feira, 8, que discute o desenvolvimento de um Painel Dinâmico de Monitoramento das ocorrências contra os povos indígenas juntamente com a Secretaria dos Povos Indígenas (Sepin) e Secretaria dos Direitos Humanos (Sedih) do Ceará.
A pasta ressaltou ainda atuação do Grupo de Trabalho Interinstitucional para Segurança dos Territórios Indígenas. “O grupo busca fortalecer as políticas públicas voltadas a essa população visando a prevenção a crimes em territórios indígenas, como lesões corporais dolosas, racismo e discriminação étnico-cultural, homicídio culposo, violência contra o patrimônio e outros”, disse.
No Estado, a população indígena é estimada em cerca de 36 mil pessoas, composta por 15 povos originários. São eles: Anacé, Gavião, Kanindé, Kariri, Tremembé, Tapeba, Jenipapo-Kanindé, Pitaguary, Kalabaça, Karão, Tapuia-Kariri, Tubiba-Tapuia, Potyguara, Tabajara e Tupinambá.
Veja os números de violência contra os povos indígenas em 2023 no Brasil:
Ações de inteligência devem focar na proteção dos povos indígenas, diz Elmano
As ações entre Governo do Ceará, por meio da Secretaria dos Povos Indígenas (Sepince), Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), Ministério Público do Ceará (MPCE) e Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social do Ceará (SSPDS) devem realizar procedimentos de inteligência para garantir a proteção dos povos indígenas do Ceará.
Um dos casos mais recentes de violência no Estado aconteceu no último dia 18 de julho. Cerca de 20 a 30 homens encapuzados e armados invadiram o território ocupado pelo povo Anacé, localizado no município de Caucaia, na Região Metropolitana de Fortaleza (MF). O episódio resultou na depredação dos materiais de construção e das barracas construídas pelas famílias que voltaram a ocupar o território desde setembro de 2023.
Durante uma coletiva de imprensa da posse de 146 profissionais da educação no Ceará, no último dia 31 de julho, no Palácio da Abolição, em Fortaleza, o governador do Estado, Elmano de Freitas (PT), disse que as ações focam em reconhecer, identificar e punir os responsáveis do caso.
“Efetivamente, temos que fazer um trabalho de investigação e entregar ao Ministério Público para ele tomar as providências. E segundo, atuação da Segurança Pública para garantir proteção a esse povo tão importante que é o Anacé”, afirma o chefe do Executivo.
A titular da Sepince, Juliana Alves, o diálogo com outros órgãos deve auxiliar na proteção dos territórios. “Estamos dialogando com Direitos Humanos e a SSPDS. Estamos apurando os fatos para que a gente possa penalizar essas pessoas, com apoio da Funai e MPCE. Precisamos desse trabalho, tanto governo do Estado como Federal, para esse trabalho de segurança desses povos”, disse.
Fonte: Jornal O POVO/Mirla Nobre