Projeto em análise no Senado defende escolha de dia de folga conforme religião do trabalhador

Quase nove em cada dez brasileiros dizem acreditar em Deus, segundo a pesquisa Global Religion 2023, produzida pelo instituto Ipsos. Nesse cenário em que o país se coloca no topo do ranking em relação a religiosidade e fé que debatedores defenderam, em audiência pública, mudança na legislação trabalhista para contemplar a liberdade de consciência, com a aprovação de projeto de lei que permite ao empregado alterar seu dia de descanso semanal por motivos religiosos. O debate aconteceu nesta segunda-feira (26), na Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH). Pelo projeto de lei (PL) 3.346/2019, que tramita na comissão, será possível ao trabalhador escolher folgar no sábado, ao invés do domingo, por exemplo.

Na avaliação dos participantes, o Brasil precisa regulamentar em lei o que a Constituição já expressa nos incisos VI ao VIII do artigo 5º. O trecho trata do direito à liberdade de consciência “que protege a autonomia do cidadão na adesão de valores religiosos, espirituais, morais ou político-filosóficos”. 

O presidente da CDH e autor do requerimento para a realização da audiência, senador Paulo Paim (PT-RS), manifestou apoio ao projeto. Para ele, a iniciativa resguarda o direito dos trabalhadores e dos servidores públicos religiosos ao descanso nos seus dias de guarda religiosa. 

— A Constituição diz que é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos, garantida na forma da lei, a proteção aos locais do culto e as liturgias onde ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção religiosa ou política. 

Sábados

O PL 3.346/2019, da Câmara dos Deputados e relatado pelo senador Magno Malta (PL-ES), tramita na CDH e trata dos direitos dos trabalhadores na iniciativa privada ou servidores públicos quanto ao direito de escolha e concretização prática da fé íntima. Para isso, entre outras garantias, o texto assegura, por exemplo, que em vez de folgar no domingo, o trabalhador poderá optar for descansar no sábado, desde que a mudança seja acordada com o empregador, sem perdas ou ônus para o empregado. Tal mudança favoreceria, por exemplo, os judeus que observam o descanso aos sábados, assim como os adventistas do sétimo dia.

Na avaliação do presidente da Associação Nacional de Juristas Islâmicos (Anaji), Girrad Mahmoud Sammour, o projeto oferece avanços ao garantir segurança jurídica e garantir direitos de todos os trabalhadores, sem que isso gere qualquer prejuízo ao empregador. No islamismo, o dia de guarda religiosa é a sexta-feira.

— Quantas ações foram ajuizadas para que o empregado tivesse o seu dia de guarda respeitado? E foram acolhidas as ações. Porque só judicialmente para a empresa autorizar isso e não ser penalizada […]. Quantas pessoas são discriminadas na contratação por conta da vestimenta? E a vestimenta não causa impacto nenhum no ofício que é exercício — reforçou. 

Além de permitir a escolha do dia de descanso, o projeto autoriza o empregado a compensar o período não trabalhado por meio de acréscimo de horas diárias ou de turnos. O texto garante ainda ao empregado o direito de utilizar, no local de trabalho, adereço associado ao seu credo, salvo se houver incompatibilidade ou impedimento legalmente justificável. 

Liberdade de consciência 

Para a Presidente da Associação Nacional de Juristas Evangélicos (Anajure), Edna V. Zilli, a liberdade de consciência é vital para a autonomia, diversidade, para assegurar o respeito individual, a tolerância e a proteção contra o totalitarismo. Para Zilli, a escolha dos dias de folga do trabalhador também é uma questão que toca na liberdade de consciência. 

— A relevância do projeto pode ser medida pela importância que o direito internacional dos direitos humanos confere à liberdade religiosa, que inclui não apenas o direito de crer, mas o direito de agir segundo as suas convicções religiosas — disse Zilli, que também expressou preocupação com a garantia do direito à “objeção de consciência” dos médicos e demais profissionais de saúde em relação aos casos de aborto permitidos em lei — Um profissional da medicina que […] crer que só quem pode dar e tomar a vida é Deus, como que ele vai proceder um aborto? Ser obrigado a isso violaria de uma forma brutal convicções que ele traz consigo.

O diretor jurídico da Igreja Adventista do Sétimo Dia para América do Sul, Luigi Braga, reforçou a defesa do projeto. Na opinião dele, o Legislativo tem a maturidade para avançar no tema. 

— O direito que a Constituição assegura não é a minha percepção, mas a percepção e o direito do outro, independente da minha opinião sobre o que ele estava falando. Então a questão da liberdade religiosa ela talvez seja o direito mais profundo, porque quando a gente fala dos direitos do dia a dia, nós estamos falando de direitos relacionados a nossa vida, mas quando você fala de liberdade religiosa você está pensando no transcendental, você está pensando […] muito além do que a gente está vivendo aqui, do cargo que a gente ocupa, do dinheiro que a gente tem e do que a gente faz. 

Qualidade de vida

O vice-presidente da União das Entidades Islâmicas (UNI), Sheikh Jihad Hammdah, observou que o projeto contempla o direito à dignidade humana. 

— Isso não beneficia somente ao trabalhador, mas beneficia toda a sociedade e também beneficia a empresa na qual ele trabalha. Por quê? Porque se ele trabalhar tranquilamente, com dignidade e satisfeito isso vai ajudá-lo a ter uma qualidade de vida melhor e […] uma produtividade melhor, um relacionamento com seus colegas de trabalho melhor. A religião vem para beneficiar a pessoa e [com] esse direito garantido para ele, ele certamente trabalhará melhor sua ansiedade, seus problemas emocionais, vai ter estabilidade .E isso vai ajudar a ele, a sociedade e a empresa na qual ele trabalha, sendo ela estatal, sendo ela privada — disse Hammdah. 

Opinião também compartilhada pelo vice-presidente da Associação Internacional de Liberdade Religiosa, Luís Mário de Souza Pinto. Ele destacou que o projeto vai auxiliar na preservação da diversidade cultural e na promoção da cidadania do empregado na empresa e a promoção da dignidade do trabalhador e do servidor público nos ambientes em que prestam serviço.

— Liberdade religiosa é mais do que um direito, é um princípio fundamental que exige o respeito pela diversidade de crenças e a proteção do direito de cada indivíduo de acordo com a sua consciência. 

Pluralidade

Apesar de defenderem a liberdade da consciência e o respeito à livre manifestação, os participantes se colocaram contra o possível uso indevido desse dispositivo para a prática de ódio, preconceito ou qualquer crime relacionado ao desrespeito à dignidade humana. 

— Liberdade de consciência é falar e defender o que pensa desde que você não agrida o outro, desde que você não utilize uma liberdade de expressão para uma liberdade de desinformação. Desde que você não utilize a liberdade de expressão para uma libertinagem, para propagar ódio, para atacar o outro, atacar o sagrado do outro. […] Num país plural, empregados das mais diferentes religiões que estão ali praticando o seu ofício e ninguém quer saber a religião do outro. Ele tem que fazer o papel dele naquilo em que foi contratado. Se ele prefere folgar na sexta, se ele prefere folgar no sábado ou no domingo faz parte da religiosidade dele, desde que seja de acordo com as possibilidades da empresa — concluiu Girrad Sammour.

De acordo com o Censo 2022, recentemente divulgado pelo IBGE, o Brasil tem 580 mil templos religiosos. 

 

Fonte: Agência Senado