Pela primeira vez, foi encontrado em morcegos um grupo de variantes do vírus da raiva humana bastante semelhante ao das variantes detectadas em saguis do Nordeste brasileiro. O estudo foi conduzido com espécies de morcegos encontrados no Ceará. Em maio deste ano, o estado registrou morte por raiva humana após sete anos sem óbitos pela doença.
A análise de 144 amostras de tecidos retirados do cérebro de 15 espécies de morcegos foi realizada no Laboratório Central de Saúde Pública do Ceará (Lacen).
Como resultado, a semelhança com as variantes encontradas em saguis acende o alerta para a dinâmica complexa de espalhamento e transmissão do vírus entre os hospedeiros.
O vírus da raiva foi encontrado nos morcegos de espécies que se alimentam de frutos (frugívoros) e insetos (insetívoros). Isso também chamou a atenção dos pesquisadores, pois os morcegos mais conhecidos como transmissores da raiva são os que se alimentam de sangue (hematófagos).
Coordenado pela Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (EPM-Unifesp), o estudo foi publicado no Journal of Medical Virology. As informações são da Agência FAPESP.
Com o resultado, os pesquisadores chamam atenção para uma fonte negligenciada de infecção pelo vírus da raiva humana, doença mortal que já fez 15 vítimas no Ceará nos últimos 30 anos.
🦇 Como foi feito o estudo
As amostras de tecidos do cérebro dos morcegos chegaram ao Lacen do Ceará entre janeiro e julho de 2022. Pelo programa nacional de vigilância epidemiológica, profissionais de saúde analisam mamíferos encontrados mortos ou com sintomas de infecção pelo vírus da raiva.
A partir das amostras, os pesquisadores extraíram o RNA dos vírus encontrados. Foi feito o sequenciamento genético para comparação com outras sequências de vírus da raiva depositadas em bancos de dados públicos.
O que foi encontrado
O primeiro conjunto de sequências genéticas era compatível com variantes do vírus da raiva encontradas em outras espécies de morcegos: os insetívoros Tadarida brasiliensis e Nyctinomops laticaudatus. O vírus havia sido detectado nestas duas espécies em 2010, na região Sudeste.
Um segundo conjunto trouxe um grupo de variantes do vírus encontrados pela primeira vez em morcegos: em duas espécies insetívoras e uma frugívora.
Na análise, foi possível perceber uma relação evolutiva desse grupo de variantes muito próxima dos vírus que circulam nos saguis-de-tufo-branco, comuns no Nordeste.
Muito comuns nas áreas urbanas e selvagens, os saguis são muitas vezes mantidos em ambientes domésticos como animais de estimação. No entanto, a proximidade com esses animais pode representar um risco para os humanos.
Assim como os morcegos, os saguis são alguns dos animais que podem levar à infecção da raiva humana (ver abaixo). O vírus tende a migrar para o sistema nervoso central, podendo levar a um quadro de encefalite aguda nos humanos.
Aproximadamente 100% dos casos levam à morte.
Até agosto desse ano, sete saguis foram encontrados com o vírus da raiva humana no Ceará, explicou à Agência FAPESP a pesquisadora Larissa Leão Ferrer de Sousa, servidora do Lacen e doutoranda da EPM-Unifesp.
Ainda segundo a pesquisadora, o Ceará é um estado endêmico para a raiva humana, apresentando também um histórico de humanos que são agredidos por saguis e contraem a doença.
Foi o caso do agricultor de 36 anos que morreu em maio deste ano na cidade de Cariús. Segundo informações da Secretaria da Saúde (Sesa), ele havia sido agredido por sagui em fevereiro. Porém, a vítima só procurou atendimento no fim do mês de abril, após o início dos sintomas da doença.
Fonte: G1