Riacho do Meio: o oásis verde dentro do Geopark Araripe, no Cariri cearense

O Governo do Ceara compartilha uma série de três reportagens sobre o Geopark Araripe. A primeira reportagem, publicada nessa segunda-feira (16), apresentou um panorama sobre os nove geossítios. Já a segunda, publicada nesta quinta-feira (18), detalha o Riacho do Meio. A terceira será publicada nesta sexta-feira (19), destacando a Colina do Horto.

O Riacho do Meio, localizado no distrito do Caldas, em Barbalha, é um dos nove geossítios do Geopark Araripe (GA), um território de relevância geológica que abrange outros cinco municípios do Cariri: Crato, Juazeiro do Norte, Missão Velha, Nova Olinda e Santana do Cariri. O Riacho do Meio é conhecido pelas fontes de água e por abrigar espécies endêmicas como o soldadinho-do-araripe. A região recebeu um Complexo Ambiental dedicado ao patrimônio natural e cultural da Chapada do Araripe.

A vegetação da região, incluindo o território de aproximadamente quatro mil km² do Geopark Araripe, é constituída predominantemente pela Caatinga, mas também apresenta tipos secundários, tais como: mata úmida, cerrado e carrasco. Esse ecossistema é protegido pelas unidades de conservação como a Área de Proteção Ambiental da Chapada do Araripe e a Floresta Nacional (Flona) do Araripe-Apodi, geridas pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio).

“Primeira Unidade de Conservação do Brasil [instituída em 1946], a Flona foi criada para preservar o ciclo hidrológico, mantendo até hoje o conceito de uso sustentável”, explica o biólogo e cientista-chefe do Meio Ambiente, Weber Silva.

Além da APA da Chapada do Araripe e da Flona, outras nove UC fazem parte da área do Geopark Araripe, sendo cinco de administração estadual e três na esfera municipal, além de uma de domínio privado.

Oásis verde

O geossítio Riacho do Meio fica localizado no sopé da Chapada do Araripe, inserido em duas Unidades de Conservação. O local é conhecido principalmente pelas três fontes naturais de água, que surgem no contato de dois tipos de rochas: os arenitos permeáveis da Formação Exu, do topo da chapada, e os arenitos impermeáveis da Formação Arajara. O geossítio também guarda a Samambaia Açu, planta considerada pré-histórica.

“Ele [Riacho do Meio] traz uma condição bem interessante da importância da Chapada do Araripe para a nossa região. O que é o Cariri se eu tirar a chapada? Vira um sertão desses mais bravos do mundo, que até para achar água é difícil. A chapada condiciona a ocorrência de fontes naturais, consequentemente, de água, e faz da gente um oásis verde. O Riacho do Meio vai mostrar isso, que em vez da gente ter só Caatinga, vamos ter também um Cerrado, vestígios de Mata Atlântica e até floresta úmida”, destaca Rafael Celestino, geólogo e colaborador do Geopark Araripe.

Chuva na Chapada do Araripe

“A Chapada do Araripe é um gerador de água. A maior parte da água que abastece o açude Castanhão, fundamental para Fortaleza, vem do Rio Salgado, que nasce aqui. Estamos ligados a Fortaleza pelas águas. Boa parte da água que o cearense bebe vem daqui”, complementa Weber.

Além de levar os visitantes até as nascentes, as trilhas do geossítio mostram que componentes geológicos também guardam aspectos culturais, como as rochas nomeadas de Pedra do Morcego e Pedra da Coruja. “A pedra do morcego era refúgio para descanso e lugar de emboscada dos cangaceiros Marcelinos, e os últimos [Marcelinos] foram pegos lá e levados para Barbalha onde foram fuzilados em um lugar chamado de Alto do Leitão. E a Pedra da Coruja porque tem umas corujas que dormem lá, e a população colocou esse nome”, conta Rafael.

A pedra do Morcego e a da Coruja, no Riacho do Meio

O sistema hidrogeológico da Chapada do Araripe também é responsável por fazer o Riacho do Meio se configurar como habitat para espécies raras. “Em razão da Chapada do Araripe apresentar essas condicionantes tão peculiares, existe a ocorrência de espécies endêmicas, muitas das quais não devem ter sido reconhecidas ainda. Porque toda vez que entra um biólogo lá dentro é descrita uma espécie nova”, avalia Rafael.

Um deles é o próprio Weber, que fez parte do grupo que descobriu, em 1996, e descreveu, em 1998, a ave endêmica conhecida como soldadinho-do-araripe (Antilophia bokermanni). Atualmente, Weber atua como cientista-chefe do Meio Ambiente, com apoio da Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico (Funcap) e Secretaria do Meio Ambiente (Sema), na elaboração da lista vermelha de espécies ameaçadas de extinção, com destaque para o desenvolvimento de um plano estadual de ação para a conversão do soldadinho-do-araripe. O biólogo também compõe a equipe da Associação de Pesquisa e Preservação de Ecossistemas Aquáticos (Aquasis).

“Esse pé-de-serra verde é resultado desse sistema hidrogeológico. Esse sistema é tão maravilhoso que ele permitiu a evolução de várias especiais, das quais a mais notável pela plumagem é esse pássaro Antilophia bokermanni”, justifica.

A ave mede cerca de 15cm de comprimento e pesa aproximadamente 20g. O macho e a fêmea diferem nas suas características físicas, e são conhecidos por moradores como lavadeiro e lavadeira-da-mata. Enquanto a fêmea é de cor verde-oliva, o macho é branco, tem a cauda e as penas de voo das asas negras e sobre a cabeça um “topete” vermelho, utilizado para chamar a atenção das fêmeas.

Símbolo da biodiversidade da Chapada do Araripe, o pássaro só é encontrado em regiões específicas dos municípios de Barbalha, Crato e Missão Velha. Com base no censo realizado em 2018, a população existente é de aproximadamente 430 adultos. “Ela não acontece em todo o município de Crato, Barbalha e Missão Velha. Ela acontece somente na encosta da Chapada do Araripe”, explica Weber, que ressalta o constante trabalho de monitoramento desenvolvido na região.

Esse monitoramento, desenvolvido pelo ICMBio, Aquasis e demais instituições parceiras, é fundamental porque o pássaro é o mais ameaçado de extinção global no Ceará. Mas a espécie é resiliente. Para sobreviver, a ave depende de água e de espécies vegetais como a rosa-da-mata (Psychotria colorata), facilmente encontrada nas trilhas do Riacho do Meio. Neste início da estação reprodutiva, três ovos já foram encontrados ao longo da encosta da chapada, segundo Weber Silva.

“O futuro da Região Metropolitana do Cariri depende do manejo desse recurso hídrico. E essa ave é interessante porque ela simboliza isso: a manutenção da qualidade de vida das pessoas. Para mantermos esse pássaro com a gente, precisamos cuidar dos recursos hídricos e da manutenção dessa floresta [Flona]”, enfatiza.

De acordo com Weber Silva, a Chapada do Araripe também guarda outras espécies endêmicas e ameaçadas de extinção, com destaque para o caranguejo (kingsleya attenboroughi) e uma espécie de sapo (Proceratophrys ararype). “Onde o soldadinho foi descoberto pela primeira vez, também foi encontrado um caranguejo, que é de um gênero portador de vermes que contaminam as pessoas que pensem em comê-lo. Se o pássaro é dependente da água, imagine o caranguejo. Essa espécie foi descoberta às portas da extinção. O Proceratophrys ararype é um animal que só existe no ambiente do soldadinho-do-araripe”, ressalta.

A assistente social e produtora cultural Alana Moraes comemora o aniversário no Riacho do Meio há sete anos, mas compreende que um dos donos do lugar é o soldadinho-do-araripe. “Esse é um espaço bem acessível e agradável para a comunidade. A gente vem para cá para se reconectar com a natureza, para sair do caos da cidade. É importante compreender o habitat do pássaro, porque se você fizer muito barulho deixa o Soldadinho-do-Araripe estressado. Então a gente sempre tem cuidado para não fazer barulho e não deixar lixo. A gente tem muito cuidado e uma relação de afeto com esse espaço”, relata.

Educação Ambiental

Com o propósito de estimular a boa convivência com a natureza e destacar as riquezas culturais do Cariri, o Governo do Ceará, por meio da Sema, implantou o Complexo Ambiental Mirante do Caldas, localizado a 3km do Riacho do Meio. Inaugurado no último sábado (13), o Complexo Ambiental tem a essência voltada para pesquisa e educação ambiental. A construção teve investimento total de R$ 13,8 milhões.

O equipamento é vizinho do Balneário do Caldas, famoso por suas águas claras e milagrosas. Os relatos sobre os milagres que aconteceram nessa região, por volta do século 19, se espalharam e atraíram milhares de romeiros que buscavam cura para suas enfermidades. Foi nesse lugar que José Antônio Pereira Ibiapina, o padre Ibiapina, fundou a Capela Bom Jesus e o Cruzeiro, criado em 1869, e conservado dentro da estrutura do Complexo. Atualmente, o Balneário do Caldas é um dos mais visitados atrativos turísticos do Interior cearense.

Para o fortalecimento do turismo sustentável e das tradições, o Complexo Ambiental conta com o Centro de Interpretação Histórica e Ambiental da Chapada do Araripe, um Café Cultural, o Borboletário do Cariri e uma linha de teleférico com duas estações (Bom Jesus e Mirante do Cruzeiro), com passarela de acesso e a plataforma do mirante. Visitantes de todas as idades poderão fazer o percurso de 544 metros entre uma estação e outra, que será feito em oito minutos. Ao todo, serão 34 cadeiras com três assentos levando os visitantes e moradores da sede do distrito ao alto da Chapada do Araripe.

Nos dois primeiros dias de funcionamento, o equipamento recebeu cerca de 2 mil visitantes

“Na plataforma inferior, o Centro de Interpretação contempla toda essa visão ampliada da chapada, desde a paleontologia, os geossítios e as tradições. Nós temos o teleférico, mas ele não é só um equipamento turístico, ele é responsável pelo translado para o visitante visualizar toda essa grandiosidade que é a Chapada do Araripe. Na plataforma superior, temos o borboletário, que é uma parceria com o programa Cientista-Chefe e Urca [Universidade Regional do Cariri]”, explica Charmene Rocha, geógrafa e diretora-executiva do Complexo.

O local é um orgulho para o músico e professor barbalhense Ney Alencar. “Nas minhas músicas eu sempre retrato esse nosso viver. Esse Centro de Interpretação veio agregar demais ao teleférico. E quem chega de fora vai ter ideia o que é que nós somos, nossas crenças, nossas culturas, como nós começamos a nossa vida até os dias de hoje. Aqui é um retrato fiel de nós, não só de Barbalha, mas dessas cidades que vivem ao pé da chapada. Retrata fielmente o que nós somos, desde a água até o folclore”, destaca.

Além do Centro de Interpretação, o itinerário da visita também deve incluir uma ida sem pressa ao Café Cultural do Complexo, um lugar ideal para tecer conversas demoradas com amigos ou moradores do Caldas. Entre uma xícara e outra, é possível ouvir mais relatos sobre a Festa do Pau da Bandeira de Santo Antônio, que faz a tranquila e encantadora Barbalha se transformar em uma cidade pulsante; entender a importância das romarias de Juazeiro do Norte e da Expocrato para o desenvolvimento da região; e descobrir as narrativas ancestrais que habitam os geossítios. É preciso não se preocupar com o correr das horas, porque são muitas manifestações culturais para conhecer e aprender. No fim, o visitante pode adquirir uma peça do valioso artesanato local.

Para o biólogo Weber Silva, o Complexo Ambiental também é um importante cartão de visita para firmar um pacto com a sociedade em prol da conservação do soldadinho-do-araripe. “Cada pessoa que chegar aqui vai dizer que o Governo do Ceará tem um plano para que tudo isso aqui continue”.

Nesse sentido, o equipamento contará com atuação de guias e dos Agentes Jovens Ambientais (AJAs), programa do Governo do Ceará, desenvolvido pela Sema, que fomenta a participação da juventude em ações sustentáveis em espaços públicos, ampliando a inclusão social e ambiental.

Todas essas ações expositivas e educativas devem fortalecer a candidatura da Chapada do Araripe como Patrimônio Natural e Cultural da Humanidade. A proposta será enviada em 2023 à Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco).

Complexo Ambiental Mirante do Caldas