Por que reação adversa em uma pessoa pausa teste em milhares?

A Johnson & Johnson suspendeu os testes de sua potencial vacina contra a covid-19 “devido a uma doença inexplicada” em um voluntário

A empresa Johnson & Johnson anunciou nesta segunda-feira (12) a suspensão temporária dos testes em humanos de sua potencial vacina contra a covid-19 “devido a uma doença inexplicada” em um dos voluntários do estudo.  Paralisações como essas são frequentes, garantem a segurança dos outros participantes e mostram a seriedade da pesquisa.

A pausa impede que novos voluntários se inscrevam para participar da pesquisa, que prevê a inclusão de 60 mil participantes em oito países, sendo 7 mil no Brasil.

Há cerca de um mês, a AstraZeneca e a Universidade de Oxford fizeram a mesma coisa após a ocorrência de uma reação adversa grave, chamada mielite transversa, em uma participante dos testes.

A mulher estava no grupo que recebeu o imunizante, e não o placebo. Mas os estudos foram retomados menos de uma semana depois, após a comprovação de que a doença não tinha relação com a vacina.

O pediatra e infectologista Renato Kfouri, diretor da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), explica que toda vez que um efeito grave ocorre, os testes são paralisados, conforme recomenda o protocolo de boas práticas em pesquisa clínica estabelecido por autoridades de saúde.

“É preciso saber se ele [o imunizante] funciona e é seguro. Você não pode colocar em risco os outros. Tem que ter certeza que [a reação adversa] não teve relação com a vacina”, afirma.

Complicações não são uma surpresa

De acordo com ele, complicações são esperadas durante pesquisas clínicas que envolvem um grande contingente. “Quando você estuda muitos indivíduos, problemas de saúde vão acontecer, estando [a pessoa] no grupo placebo ou da vacina. Vai ter gente que vai morrer porque infartou, e aí precisa ver se isso foi causado pela vacina ou não”, reitera.

“Às vezes, ele [voluntário] está no grupo que recebeu placebo, mas o estudo é paralisado do mesmo jeito e, se a associação [com a vacina] for descartada, você retoma. Isso só mostra a seriedade do estudo”, completa.

Pausa não afeta vacinas que usam a mesma tecnologia

A Johnson & Johnson não informou se o voluntário recebeu uma dose do imunizante ou do placebo. Kfouri enfatiza, portanto, que ainda é precipitado formular qualquer teoria acerca da falta de segurança desta vacina ou de outras que utilizam a mesma base que ela.

O imunizante desenvolvido pela empresa americana usa como vetor o adenovírus Ad26, o mesmo utilizado na vacina russa – que, além deste, também usa o adenovírus Ad5 – em sua versão enfraquecida. Trata-se de um vírus que causa resfriado comum.

O especialista acrescenta que as vacinas de Oxford e a da empresa chinesa CanSino são outros exemplos compostos de adenovírus. “Não sabemos se o evento adverso tem relação com a vacina ou se o voluntário tomou placebo, portanto inferir que a vacina da Johnson causou reação não está correto”, ressalta.

“Houve um evento em saúde de um paciente participante do estudo. Na maioria das vezes não tem relação nenhuma com a vacina. Foi algo temporal. Mas precisa ser investigado com todo rigor de pesquisas clínicas”, detalha.

Por essas razões, ele não acredita que a interrupção temporária dos estudos com o imunizante terá alguma consequência para os outros que também possuem adenovírus em sua composição.

Entretanto, de acordo com o médico, existe a possibilidade de futuramente se constatar o chamado “efeito de classe”, ou seja, relacionado ao tipo de vacina;

“No futuro, se começarem a aparecer vários casos [de eventos adversos graves] em vacinas com a mesma plataforma, inativadas, de adenovírus ou genéticas, isso pode acontecer. Mas ainda não há uma base para achar que possa haver interferência, os dados são muito preliminares”, conclui.

A investigação para determinar se a reação grave foi causada pela vacina é feita por um comitê de monitoramento externo, o que impede que as análises sejam influenciadas por interesses comerciais, pontua Kfouri.

Depois, um relatório com as conclusões obtidas é fornecido para as agências reguladoras de cada país que participa dos ensaios clínicos. O órgão, então, decide se permitirá ou não a continuidade do estudo.

Fonte: R7