Era uma manhã de domingo qualquer do mês de setembro, em 2004, quando José Ribamar Santiago saiu da casa onde morava sozinho, em Fortaleza, e nunca mais voltou. As circunstâncias do desaparecimento continuam tão desconhecidas quanto o paradeiro dele – mas, mesmo assim, quase 15 anos depois, parte da família dele mantém viva a esperança de encontrá-lo.
Pelo menos 2.033 mil desaparecimentos foram registrados no Estado no ano passado, de acordo com a Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS), e entre julho de 2018 e 2019, foram 579 casos reportados à 12ª Delegacia do Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP).
Conforme a SSPDS, 53,7% do total entre os dois semestres foi de jovens de 12 a 29 anos. Os adultos de 30 a 59 representam 33,9% dos casos. Idosos e crianças equivalem, respectivamente, a 8,5% e 2,2% dos desaparecidos. Em 1,7% dos registros não contam com informações sobre a idade específica da pessoa desaparecida, aponta a Pasta.
A dona de casa Cleide Santiago, 69, afirma que, mesmo passado todo esse tempo, continua recebendo trotes telefônicos com supostas informações sobre Ribamar, irmão dela, e que um dos filhos dele já chegou a realizar exame de DNA para identificar uma ossada encontrada na periferia de Fortaleza. Mas não era ele. “Da polícia não tem notícia, as que aparecem não são verdadeiras. Essa semana ligaram pra mim dizendo que ele tá em Manaus. Mas como ele chegou lá sem documento nem nada?”, questiona.
Esperança
Dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) informam que 10.855 pessoas foram registradas como desaparecidas no Ceará, entre 2012 e 2017. O menor número de registros foi em 2015, com 1.387. Já em 2017, pela primeira vez na série histórica, o número ultrapassou 2 mil desaparecidos: foram 2.128 registros. De acordo com a Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS), no ano passado, foram registrados 2.033 Boletins de Ocorrência por desaparecimento no estado.
No próximo mês, o irmão de Cleide completaria 60 anos de idade, já que desapareceu quando completaria 45. Se voltasse, o presente seria dela. “A gente continua procurando, mas esperança… Eu ainda tenho, sim. É difícil, porque a gente fica se perguntando: como é que o Ribamar tá? Como é que ele vive? Por que não se sabe dele nem vivo nem morto? Minha mãe já morreu há oito anos, e o sonho dela era encontrar ele. Ela sofria muito”, relembra a dona de casa.
Segundo Arlete Silveira, titular da 12ª delegacia do Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP), especializada na investigação de desaparecimentos; o perfil da maioria das pessoas que desaparecem no Ceará segue um padrão: são adolescentes e jovens entre 15 e 29 anos. “Os principais fatores são conflitos familiares e uso abusivo de drogas ilícitas. Por isso que, mesmo depois que encontramos, é necessário um trabalho de proteção social para que não haja reincidência”, pontua a delegada.
Redes sociais
Em média, são cinco registros por dia só na 12ª segunda delegacia. A delegada Arlete garante que a tecnologia tem facilitado o compartilhamento de informações e, com efeito, a solução dos casos. “Uma vez registrado o BO, fazemos registro via Ciops e entramos em contato com a PM da área. Investigamos os últimos passos, os amigos, a família e coletamos informações. Então as viaturas, em suas patrulhas de rotina, passam a procurar aquela pessoa”, explica a titular.
A internet serviu de auxílio para a auxiliar de sala Fabiana Silva, que viveu uma angústia profunda durante os oito dias em que o pai, Francisco Sérvulo, o ‘Louro’, sumiu do radar da família, no último mês de julho. O idoso de 63 anos tem problemas de alcoolismo e saiu de casa sem deixar pistas, no fim de julho.
“Começamos a busca. Uns dizem uma coisa, outros dizem outra, que tinham visto ele em outros bairros. O que atrapalha são essas informações desencontradas”, confessa ela, que não procurou a Polícia durante a peregrinação pelos endereços indicados. “Quando diziam ‘Vi o Louro’, eu saía de onde estivesse do jeito que a gente tava; mas quando chegava lá, não tinha nada a ver. Eu sou muito nervosa e até imaginei ele morto porque chegavam a dizer que ele tinha ido a um bairro muito perigoso. Isso dói muito”, relata.
O homem foi encontrado no dia 30 de julho, no bairro Aldeota, a cerca de 5 km de onde mora, “muito sujo e não muito bem da cabeça”. No reencontro, ele nem mesmo reconheceu a filha. Agora, conta Fabiana, a vigilância sobre ele é redobrada. “Se ele sai e demora, a gente já fica mais apreensiva”, diz.
Sistema
O DHPP também disponibiliza dois principais canais de atendimento para pessoas que têm informações sobre desaparecidos. A população pode colaborar com a polícia ligando para (85) 3257-4807 ou (85) 99111-7498, número que também é o WhatsApp do departamento. É possível enviar fotos, áudios e vídeos sem ser necessário se identificar. O sigilo é garantido.
Para facilitar a integração de órgãos de segurança e saúde no processo de busca e identificação, o Programa de Localização e Identificação de Desaparecidos no Ceará (PLID/CE) segue em desenvolvimento. A projeção é que ele comece a ser operacionalizado em setembro, conforme o coordenador do Centro de Apoio Operacional da Cidadania (Caocidadania) do Ministério Público do Estado do Ceará (MPCE), promotor de Justiça Hugo Porto.
“O sistema tem vários níveis de acesso. Temos células informativas e consultivas, como o Instituto Dr. José Frota (IJF) e a Perícia Forense (Pefoce), que tanto recebem as notícias quanto informam sobre localizações. Uma pessoa pode chegar ao IJF e informar características do desaparecido e, horas depois, essa pessoa dar entrada porque foi acidentada ou violada de alguma forma. Já as células de investigação são o DHPP e o MPCE”, descreve.
Exposição
A partir de hoje, a exposição “A falta que você faz” apresenta imagens e relatos de 19 famílias de quem saiu repentinamente do convívio com os entes. A mostra é realizada pelo Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV), e segue até 29 de setembro de 2019, no Museu da Cultura Cearense, do Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura, em Fortaleza. a mostra imersiva “A falta que você faz”. A foto de Ribamar estará lá.
“Vamos pra exposição eu e minha outra irmã que morava perto dele. Pra mostrar a foto dele e ver se a gente encontra nosso irmão”, conclui Cleide Santiago.
Fonte: g1.com