O desemprego é uma realidade para mais de 12 milhões de brasileiros. Um deles é José Batista, de 59 anos, que, desde 2012, saiu de sua cidade natal, Itambé, na Zona da Mata de Pernambuco, para tentar a sorte na capital. Desde então, ele passa as noites no Aeroporto Internacional do Recife/Guararapes – Gilberto Freyre, na Imbiribeira, na Zona Sul, sobrevivendo à falta de trabalho.
Apesar de estar há sete anos sem carteira assinada nem renda fixa, Seu Zeca, como é chamado pelos conhecidos, anda pelas ruas com um envelope numa mão e uma mala na outra. O primeiro guarda as cópias dos currículos que ele distribui pela Região Metropolitana, hábito que lhe dá a esperança para nutrir o maior sonho que tem: o de ter um emprego.
A mala, doada por um passageiro anônimo durante uma das noites de sono no aeroporto, comporta tudo aquilo que ele considera suas “riquezas”. Sem ter onde morar, ele se habituou a carregar e viver com o mínimo possível: algumas peças de roupa, toalha e os documentos, pelos quais preza mais que qualquer pertence.
“Cheguei aqui num sábado de carnaval e passei uma semana no Centro da cidade, dormindo lá. Todo dia saía para procurar emprego, mas não conseguia nada. Quem sempre me ajudou foram as pessoas de bom coração”, afirma Seu Zeca.
Seu Zeca conta que decidiu viajar depois da morte de seus pais e da mudança de gestão na cidade onde morava. Antes ele trabalhava como vigilante na prefeitura. No currículo, ele acumula 25 anos de atuação na profissão. Entretanto, ele diz que a vaga que ocupava foi extinta.
“A casa da gente era de herdeiro e foi vendida, já não tinha o que fazer lá. Eu e mais 600 pessoas perdemos o emprego. É muito ruim, eu não sei nem o que dizer sobre a minha situação, mas é melhor que a que eu teria se ficasse em Itambé. Lá a cidade é pequena e, se aqui está sendo ruim, lá seria pior”, declara.
Sem emprego, ele não tinha família na cidade, já que os irmãos que tem, assim como ele, decidiram tentar a vida fora de sua terra natal. Um mudou-se para o Rio de Janeiro e a outra, para Santa Catarina.
“Eu não gosto nem de pensar na minha situação. Não quero que ninguém tenha que passar por isso. Eu tinha meu emprego, minha casa, hoje não tenho nada. É muito difícil você chegar e não ter o café certo, o almoço certo, o trabalho”, diz Seu Zeca.
No Recife, o conselho que ele recebeu foi o de ficar no aeroporto, enquanto não tinha onde viver. O motivo foi a insegurança, já que o terminal aéreo funciona 24 horas por dia e há policiamento. Apesar disso, Seu Zeca não deixou de ser vítima da violência.
“Roubaram um sapato meu novinho. Tirei do pé quando cheguei e cochilei. Quando vi, meu sapato tinha sido levado. Se tivessem levado a mala, eu tinha me acabado. O último recurso que tenho é minha documentação”, afirma.
No aeroporto, Seu Zeca dorme sentado em um dos bancos do saguão de embarque, com uma toalha sobre a cabeça. Nas madrugadas de espera pelos voos, ele, com sua mala estrategicamente trancada com cadeados, passa despercebido entre os passageiros do terminal aéreo. Ele acorda cedo, por volta das 5h, e sai à procura de oportunidade, seja um trabalho ou mesmo uma refeição.
“Logo quando comecei a dormir aqui, algumas pessoas me perseguiam, me acordavam. Eu tirava por menos, para não arrumar problemas. Uma vez, um rapaz me deu R$ 2 e um vigia veio me tirar daqui, dizer que não podia. Até que me disseram que eu podia ficar aqui e ninguém mexeria comigo. Eu penso ‘vocês podiam estar olhando os ladrões, mas olham logo para mim, que não fiz nada’”, diz Zeca.
“Já sonhei que eu era um grande empresário e minha empresa se chamava Foi Deus que me deu, porque ele é quem está no controle de tudo. Meu maior sonho é ter um emprego, mas a vida é assim mesmo. Tem altos e baixos. E assim eu vou levando a vida”, diz Seu Zeca.
Na situação em que se encontra, Seu Zeca conta com a solidariedade de muita gente que passa pela sua vida. “Algumas pessoas me ajudam, me dão um trocadinho, e eu consigo alguns ‘bicos’. Para tomar banho, vou na rodoviária [na Zona Oeste do Recife]. Pago R$ 3 por três minutos. Uma mulher lava minhas roupas por R$ 10, toda semana”, afirma.
banco em que Seu Zeca costuma dormir não foi escolhido por acaso. Fica em frente à saída que dá acesso à passarela que liga o terminal à Estação Aeroporto. “Eu pego o metrô e saio pelo mundo. Vou para os terminais e ando por Camaragibe, Paulista, Abreu e Lima, Igarassu e por aí vai. Tudo isso entregando currículo, buscando uma oportunidade”, declara.
Sobre a família, ele conta que foi casado e que tem dois filhos, mas não os conhece porque se separou da ex-esposa muito cedo. “Eu só sei que eles moram em Água Fria [Zona Norte do Recife]. É um rapaz e uma moça, que é deficiente. Eu não vou procurar ninguém agora, porque não quero dar desgosto a eles. Quem é que quer ver um pai nessa situação? Prefiro aguardar e batalhar”, diz.
Solidariedade
A história de Seu Zeca foi descoberta pelo jovem Leonardo Victor, de 19 anos de idade. Ele publicou uma foto nas redes sociais e a história comoveu milhares de pessoas. A postagem mostrava o currículo de José e pedia ajuda para o homem.
“Fui encontrar um amigo que trabalha numa empresa aérea e, passeando por lá, me deparei com ele, que me perguntou se tinha jogo do Sport. Ele me contou a história dele e eu fiquei pensando se fosse eu no lugar dele. A repercussão foi muito grande, nem eu esperava. Eu queria que ele tivesse uma casa e um emprego”, diz o jovem.
A postagem de Leonardo chegou até Luiz Fonseca, que se emocionou com a história. Ele e Seu Zeca compartilham a mesma frustração: a do desemprego. Luiz decidiu ir até o aeroporto encontrá-lo. Lá, ele pagou um jantar e uma noite numa cabine do terminal, para que Seu Zeca tivesse algumas horas de sono numa cama de verdade.
“É uma questão de empatia, que eu acho que falta muito no mundo hoje. A pessoa se colocar no lugar do outro e sentir um pouco a dor dele”, afirma Luiz.
Para Seu Zeca, que há tanto tempo dorme nos bancos do aeroporto, a experiência foi revigorante. “Foi muito bom, mas eu já tava achando estranho a cama. Me acostumei a dormir sentado”, diz.
Na terça-feira (9), Seu Zeca reencontrou um amigo que fez durante sua estadia no aeroporto. Em 2018, o pescador industrial Bruno Oliveira esperava um voo, quando decidiu puxar assunto com Seu Zeca. No Recife novamente, ele ficou surpreso ao encontrá-lo.
“Moro em João Pessoa (PB) e cheguei muito cedo ao Recife, para viajar para Santa Catarina. Fiquei esperando o voo com ele e tentei ajudá-lo com o que tinha. Agora é a segunda vez que o vejo. Espero que ele consiga um emprego”, diz.
Fonte: Noticias ao minuto