Pilotos da Coordenadoria Integrada de Operações Aéreas (Ciopaer), da Polícia Militar do Ceará, são suspeitos de realizar atividade paralela, pilotando voos particulares com uma frequência até maior do que pilotam aeronaves do estado. Os principais clientes são empresas e grandes empresários. A Controladoria Geral de Disciplina dos Órgãos de Segurança Pública e Sistema Penitenciário (CGD) abriu procedimentos investigativos contra três policiais militares por essa prática.
Um Conselho de Justificação (apuração administrativa contra oficiais) foi aberto pela CGD para apurar a conduta de um tenente-coronel em 5 de dezembro de 2018 – publicado em portaria no Diário Oficial do Estado (DOE) do dia 19 daquele mesmo mês. Conforme o documento, o oficial da PM “estaria supostamente exercendo atividade paralela de piloto de helicóptero na iniciativa privada, inclusive em horários que deveria estar de serviço (na Ciopaer)”.
Segundo a Controladoria, há indícios, na investigação preliminar, de que o militar pilotava duas aeronaves particulares com frequência, ao ponto de que 80% dos voos que ele realizava não ser a serviço da Polícia Militar.
As apurações apontam que, em dias que estava de serviço, o tenente-coronel participou de nove voos particulares durante o ano de 2017; 12 voos em 2016; e 25, no ano de 2015.
A CGD também abriu Conselho de Justificação contra um tenente em 8 de agosto de 2018 – publicado no DOE do dia 24.
A portaria revela que “a escala de serviço da Ciopaer, entre 2015 a 2017, choca-se em datas com diversos voos privados realizados pelo oficial, em possível detrimento ao cumprimento de operações acionadas pela Ciops (Coordenadoria Integrada de Operações de Segurança), com prejuízo para o serviço e afetando a dignidade da função pública”.
Os policiais militares citados não foram localizados pela reportagem.
Questionada sobre as investigações contra os PMs da Ciopaer, a CGD informou, em nota, que “os atos passíveis de divulgação já foram publicados em Diário Oficial do Estado. Além disso, informa (que) anterior a instauração de um processo regular, a CGD não pode publicizar seu teor por dizer respeito a procedimento de caráter reservado”.
A Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS) afirmou, também em nota, “que não comenta investigação em andamento realizada pela Controladoria Geral de Disciplina dos Órgãos de Segurança Pública e Sistema Penitenciário do Estado do Ceará (CGD)”.
‘Monopólio’ dos PMs
Pilotos civis se sentem prejudicados com o “monopólio” dos policiais militares no mercado da aviação civil. As grandes empresas e os empresários preferem os agentes de segurança formados pela Ciopaer porque “pagam menos (porque os militares costumam não ter a carteira assinada) e eles ainda dão uma segurança de policial”, explica um profissional que prefere não se identificar, com 46 anos de aviação, que há três anos procura por emprego no Ceará.
“Isso é um problema que vem acontecendo no Brasil inteiro. Aqui no Ceará, nós estamos desempregados por causa dessa prática deles”, afirma.
Outro piloto civil afirma que já viu PMs realizarem voos particulares com a farda da Corporação. “Essa é uma reclamação antiga do pessoal que está parado. Os militares recebem curso de graça, todo o aperfeiçoamento é feito às custas do Estado”, reclama.
Fadiga de voos e chance de acidentes
Na portaria contra os dois policiais, a Controladoria considera que estudos do Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (Cenipa) apontam que “fadiga de voo” [trabalhar pilotando aeronaves por muitas horas] pode influenciar na ocorrência acidentes aeronáuticos. Para o órgão, a conduta dos PMs contraria as regras de segurança de voo e coloca em risco a segurança pública e o patrimônio do estado.
Ainda conforme as portarias da CGD, é vedado aos militares estaduais – com exceção dos oficiais do quadro de saúde – exercer atividades profissionais no meio civil. As atitudes desses policiais, em tese, ferem os valores da moral militar, violam os deveres do Código Disciplinar da Polícia Militar e do Corpo de Bombeiros Militar do Ceará e significam transgressão disciplinar.
Após a abertura dos procedimentos administrativos, o tenente-coronel suspeito pilotou aeronaves da Ciopaer cinco vezes, em atuação no interior do Ceará, e recebeu o valor total de R$ 239,90 em diárias. O segundo policial viajou uma vez, para Donauworth, na Alemanha, para participar de reuniões técnicas de configuração de aeronaves, o que custou R$ 19.513,18 para o estado. As informações constam no Diário Oficial do Estado.
Segundo emprego
A Controladoria Geral de Disciplina instaurou um Conselho de Justificação contra um terceiro policial militar no dia 21 de outubro de 2014, publicado no DOE de dez dias depois. A portaria traz a denúncia de que o PM acumulava o serviço público com o vínculo empregatício com empresas aéreas.
O Terceiro Centro Integrado de Defesa Aérea e Controle de Tráfico Aéreo do Comando da Aeronáutica informou que o policial pilotou três aeronaves particulares, entre setembro de 2012 e fevereiro de 2013. O Instituto Nacional de Seguro Social (INSS) forneceu informações que comprovavam a prática ilegal nesse período, como o número de inscrição, nome do empregador e os valores da remuneração do trabalhador. Questionada, a CGD não forneceu informações sobre a investigação.
O G1 também recebeu denúncia de que um coronel da PM pilota aeronaves de empresas e grandes empresários no Ceará. Apesar de não localizar procedimento investigativo contra o oficial, a reportagem comprovou a prática com uma multa efetuada pela Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) ao militar, por “infringir as normas e regulamentos que afetem a disciplina a bordo de aeronave ou a segurança de voo” em uma aeronave particular, em 2011.
Segundo documento da Anac, a defesa do piloto alegou, na época, que a fiscalização do Aeródromo Pinto Martins, em Fortaleza, em nenhum momento solicitou a apresentação do CCF. Afirma ainda que “o CCF (Certificados de Capacidade Física) estava devidamente guardado em porta documento específico, no sentido de evitar danos ou desgaste ao documento”.
Também afirmou que o piloto possui mais de 16 anos de aviação civil, com “conduta ilibada e sem qualquer registro que possa desabonar sua trajetória como aeronauta”. Apesar do recurso, a multa foi mantida pela Assessoria de Julgamento de Autos em Segunda Instância (ASJIN).