Por decisão do ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), presas transexuais podem cumprir penas em penitenciárias femininas. No Grande Recife, ao menos 18 detentas trans podem solicitar a transferência, segundo levantamento do Grupo de Trabalhos em Prevenção PositHIVo (GTP+), ONG que atua na proteção de pessoas LGBT encarceradas.
Essa medida está em vigor desde quarta-feira (26), quando aconteceu a decisão em caráter liminar do ministro do STF. Barroso também pediu ao presidente do STF, Dias Toffoli, para marcar uma data para o plenário da Corte analisar se mantém ou derruba a decisão.
O número divulgado pelo GTP+ faz parte de um levantamento realizado nas dez penitenciárias localizadas na Região Metropolitana do Recife, tanto na capital quanto em cidades como Abreu e Lima, Itamaracá e Igarassu.
Questionada pelo G1 sobre o número de mulheres trans nos presídios do estado, a Secretaria Executiva de Ressocialização (Seres) informou que não existem dados precisos. A justificativa é que nem todas as pessoas privadas de liberdade se autodeclaram mulheres ou homens trans.
De acordo com a Seres, o governo está contabilizando os pedidos de mulheres transexuais que desejam mudar de unidades prisionais masculinas para femininas para solicitar a transferência ao Judiciário, por meio da Defensoria Pública de Pernambuco.
Mapeamento
O Projeto Fortalecer para Superar Preconceitos, que mapeou as necessidades da população LGBT encarcerada nas unidades prisionais do Grande Recife, foi coordenado pelo advogado Lucas Enock.
De acordo com ele, a pesquisa foi motivada pelo fato de Pernambuco ter a maior superlotação carcerária do Brasil, com 11.767 vagas disponíveis e 32.781 presos em regime fechado. São quase três detentos por vaga.
“Existe uma institucionalização da violação da integridade física e psíquica das pessoas em situação de cárcere. Aplicamos um questionário com as pessoas que se reconhecem como parte da comunidade LGBT. Dentro dos presídios masculinos, por causa da violência, é mais difícil que elas se coloquem como, de fato, são”, diz.
Ao todo, o estudo mapeou 115 pessoas que, de alguma forma, se reconhecem como LGBT. Entre elas, há, além das 18 mulheres trans, dois homens trans e 22 travestis.
A decisão de Barroso, no entanto, limita-se às mulheres transexuais. Segundo Lucas, a situação das travestis é diferente e é avaliada por órgãos especializados.
“Nas unidades femininas, há maior reconhecimento, pela aceitação, pelo abandono familiar e até pelo empoderamento feminino. Entre os principais problemas encontrados para essa população, estão a falta de preparo dos agentes públicos, violações de direitos humanos e falta de sensibilidade. Nos presídios masculinos, as travestis e transexuais são colocadas em trabalhos considerados domésticos. Elas lavam roupa e até, às vezes, se prostituem para ganhar dinheiro”, diz.
Coordenador do GTP+, Wladimir Reis afirma que, além das pessoas que se autodeclaram LGBTs, o quantitativo da população é maior, já que muitas não se sentem seguras para se identificar dessa maneira.
“Há homens que fazem sexo com homens, por exemplo, que, para manter sua integridade física, não se reconhecem gays. Mas o que percebemos é que ser homo, travesti ou transexual torna as coisas muito mais complexas, por causa do preconceito e da discriminação. As pessoas ‘T’ principalmente, porque a vulnerabilidade é muito maior”, declara.
Violência no sistema
Uma vendedora que pediu para ser identificada como Alice* passou dez anos em cárcere, em presídios masculinos do estado, após ter sido condenada por tráfico de drogas. Segundo ela, as violências eram constantes nesses espaços, onde, por ter sido estuprada, contraiu o vírus HIV, causador da Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (Aids).
“Os piores momentos eram a hora do banho, da comida, de fazer as necessidades. Já fui estuprada por cinco homens ao mesmo tempo e os crimes ocorreram várias vezes. É muito duro tocar nesse assunto, mas necessário, para que não aconteça com as demais. Fica complicado para ir num banheiro, fazer uma faxina. Você sofre muito assédio e transfobia”, afirma.
Por causa da violência, Alice diz também ter vivenciado um quadro depressivo. “Qualquer um, no meu lugar, teria se matado. Levei muito tempo para ver que não é bem assim e que dá para viver com o vírus. Outro problema é sair, porque ninguém quer dar emprego a uma transexual ex-presidiária”, conta.
A decisão do STF, segundo Alice, levanta questões que vão além da simples opção de transferência de unidade prisional. Ela se preocupa com a integridade das mulheres trans nas penitenciárias femininas. “Independentemente de estar num presídio masculino ou feminino, a mulher trans vai sofrer muito mais”, diz.
Fonte: g1.com