Ciente de que representar o 1% mais privilegiado da sociedade brasileira não dá muito voto, o partido tem buscado promover outra imagem
FÁBIO ZANINI (FOLHAPRESS) – Assim como países, signos e times de futebol, partidos políticos também sofrem com estereótipos. O PT era o partido dos sindicalistas barbudos (depois passou a ser associado a coisa pior); o PSDB, dos intelectuais da USP reunidos para um vinho em Higienópolis. O DEM sempre foi o partidos dos coronéis, e o PMDB (hoje MDB), o partido do governo, qualquer governo.
Recém-chegado ao grupo, o Novo ganhou o carimbo de “partido dos ricos”. Há motivos para isso, sem dúvida: na linha de frente da sigla, criada em 2015, estão empresários bem-sucedidos e gente que fez fortuna no mercado financeiro. A começar pelas suas duas principais lideranças: João Amoêdo, que disputou a Presidência em 2018, é mais rico até do que Henrique Meirelles, com um patrimônio declarado de R$ 425 milhões; Romeu Zema, governador de Minas Gerais, declarou R$ 69 milhões, fruto de sua rede de lojas de varejo no estado.
Mas, ciente de que representar o 1% mais privilegiado da sociedade brasileira não dá muito voto, o partido da turma que veste laranja tem buscado promover outra imagem. Figuras com biografia bem diferente do estereótipo estão sendo alçadas à linha de frente. Daniel José, 31, é um exemplo. Ele foi o mais votado do partido na disputa para Assembleia Legislativa de SP, com 183 mil votos, e imediatamente se lançou candidato a presidir a Casa (mais para marcar posição, é verdade).
A trajetória de Daniel até pouco tempo atrás só era encontrada no PT e no PSOL. Caçula dos 11 filhos de uma diarista e um contínuo de Bragança Paulista (SP), estudou em escola pública e destacou-se a ponto de conseguir uma bolsa do Insper, instituição de elite do ensino superior voltada para administração, economia e mercado financeiro. “Vivia com R$ 10 por dia para comida e transporte”, lembra ele.
Trabalhou em fundos de investimentos e, em 2011, tirou um sabático e se mandou para o Oriente Médio. Na Jordânia, passou um ano com a ONG Caritas, ligada à Igreja Católica, lidando com refugiados de guerras na Síria e Iraque. De volta, ganhou outra bolsa, dessa vez para fazer pós-graduação em relações internacionais em Yale (EUA). Teve aulas com o ex-secretário de Estado dos EUA Henry Kissinger e foi colega de um neto do ex-presidente dos EUA John Kennedy (que não era muito de ir à aula, segundo ele).
Ao voltar, começou a militar em entidades da “nova política”. Ligou-se ao Livres, grupo que defende o liberalismo completo (na economia e nos costumes) e foi do RenovaBR, organização que ficou conhecida por ter entre seus apoiadores o apresentador Luciano Huck. No começo de 2016, decidiu-se pelo Novo, após uma conversa com Amoêdo sobre educação. A exemplo do padrinho, gosta de frases provocadoras. Minimizar a desigualdade é uma das favoritas. “A gente não quer combater a desigualdade, mas a pobreza”, diz ele. “Desigualdade é sintoma, pobreza é a causa do problema”.
Talvez por sua origem social, ele não demonstra a mesma ojeriza de alguns colegas de partido sobre o Estado. Não gosta de ser caracterizado como um defensor do Estado mínimo, por exemplo. “Estado mínimo uma ova! Defendo o Estado eficiente”, diz ele. E, claro, rejeita o estereótipo sobre seu partido. “Dizer que o Novo é partido de banqueiros é preconceituoso. Não sou um caso comum, mas não sou único no partido. Estamos quebrando essa bolha”, diz.
Outro campeão de votos do Novo é Vinicius Poit -nesse caso, eleito para deputado federal, com 207 mil votos. No caso dele, o perfil é mais próximo da imagem consolidada do partido. Nascido em São Bernardo do Campo (berço do PT, ironicamente), é formado em administração de empresas pela Fundação Getulio Vargas. Trabalhou com reestruturação de empresas e hoje tem um site de recrutamento de empregos. Seu pai é Wilson Poit, que foi o braço direito de João Doria no programa de privatizações em sua breve passagem como prefeito de São Paulo.
Mas ele também foge do estereótipo de seu partido em ao menos um aspecto. Defende construir pontes com a esquerda e diz ter tido apoio de deputados do PT e do PSOL quando concorreu à coordenadoria da bancada paulista no Congresso (acabou não sendo eleito). Em sua estreia como deputado, Poit publicou um vídeo desmontando mitos da reforma da Previdência. Já no início, havia uma imagem de petistas raivosos em defesa do status quo, entre eles o senador Paulo Paim (RS), opositor histórico de qualquer mexida na área.
Não demorou muito para Paim ligar para Poit sobre o vídeo. “Aquele cara de não sei quantos mandatos ligando para mim, que acabei de chegar aqui, me preparei Mas no fim a conversa foi boa, ficamos de nos encontrar”, lembra ele. Viciado em seu smartphone, Poit é da safra de ativistas digitais que se elegeram para o Congresso. Comunica-se com seus eleitores por meio de vídeos de 2 a 4 minutos que produz e coloca nas redes. Reservou 1 dos 10 cargos de assessor que terá para um videomaker profissional. “Vale muito a pena. Dá muita audiência, e a custo baixo”. Faz uma live semanal pelo Facebook (“Noite com Poit”).
Na primeira semana na Câmara, Poit diz que já teve um tratamento de choque. Passou sete horas na fila do setor de protocolo para registrar projetos de lei da bancada do Novo, que elegeu oito deputados. Um deles, acabando com o novo Fundo Eleitoral, que está na berlinda após o escândalo dos laranjas do PSL revelado pelo jornal Folha de S.Paulo. E teve seu batismo no plenário, quando foi apresentado aos enormes discursos de parlamentares da velha guarda sobre todos os assuntos, menos o que está sendo votado. “Isso é duro. Os novatos são mais objetivos. Mas aí chega a turma do PT”.
Fonte: Notícias ao Minito