Moradores resistem a deixar Holiday após ordem judicial de desocupação

Um dia depois de a Justiça determinar a desocupação do Edifício Holiday, em Boa Viagem, na Zona Sul do Recife, moradores afirmaram, nesta quinta-feira (14), que pretendem resistir e ficar nos imóveis. Diante da opção de acolhimento apresentada pela prefeitura, eles apontam que ir para um abrigo público, de forma provisória, não é a melhor solução.

Nesta quinta, a administração municipal estacionou um ônibus na frente do prédio para oferecer serviços de orientação e acolhimento em um abrigo, na Travessa do Gusmão, na área central da cidade, com capacidade para 5% dos dois mil moradores. Esse plano deixou insatisfeitos inquilinos e proprietários.

A aposentada Evanize Fernandes, que mora há 30 anos no Holiday, foi até o ônibus e conversou com os profissionais da prefeitura. Depois de conhecer a proposta apresentada, ela afirmou que está decidida a ficar em casa. Proprietária do apartamento 222, ela critica a falta de alternativas para quem vive no edifício.

“Eu tenho a escritura do meu apartamento, paguei meu IPTU [Imposto Predial e Territorial Urbano], paguei as contas de luz. Estão nos tratando como cachorros. Fiz esse cadastro, mas não me ofereceram casa para morar, só esse abrigo provisório. E por aí, os apartamentos de quarto e sala têm o aluguel caro. Isso aqui é meu. Eu só saio se for presa”, afirma.

Ao longo da manhã, os profissionais da prefeitura fizeram perguntas aos moradores do Holiday, sobre inscrição em programas como o Bolsa Família e solicitaram a apresentação de comprovantes de pagamentos de energia.

O desempregado Rogério Inácio buscou informações com os profissionais do município e declarou que a situação é muito complicada. Considerando a saída inevitável, ele tem dúvidas sobre onde vai ficar com os pais quando a família deixar os dois imóveis.

“A gente mora aqui há 41 anos. Eu não tenho dinheiro pra alugar um apartamento, porque estou vivendo de bicos”, declara.

Do lado de fora do ônibus, a desempregada Ivani Maria dos Santos não segurava as lágrimas ao receber apoio das profissionais do Centro de Atenção Psicossocial.

Por estar na casa de uma cunhada em São Paulo para tratar uma depressão, a proprietária de um dos imóveis voltou ao Recife em meio à situação delicada e lamentou ter que sair.

“Para quê eu vou querer móveis se eu não vou ter onde colocar? Estou sem dinheiro e procurando tratamento de saúde, porque sou hipertensa, diabética e estou tratando minha depressão. Esse apartamento é meu, eu paguei R$ 40 mil por ele. E esse dinheiro vai para onde? E a minha vida, que está toda aqui?”, questiona.

O síndico do Holiday, José Rufino Neto, declarou que há uma tendência de resistência. “Ninguém quer sair do prédio”, disse. Ele observou, ainda, que está conseguindo parcerias para executar as reformas na parte elétrica. Os reparos estão orçados em R$ 300 mil.

Opções

De acordo com a secretária de Desenvolvimento Social do Recife, Ana Rita Suassuna, o abrigo na Travessa do Gusmão tem capacidade para até 100 pessoas. O número é incompatível com os cerca de dois mil moradores que permanecem no Holiday e que precisam deixar o edifício até o dia 20 de março, segundo a determinação judicial.

“Nós conhecemos essa realidade e sabemos que nem todo mundo quer ir para o abrigo. As possibilidades são oferecidas e garantimos as três refeições, local para dormir e transporte para levar crianças para a escola, mas também orientamos as pessoas a procurar casas de parentes”, diz.

O secretário-executivo de Defesa Civil do Recife, Cássio Sinomar, explica que a única opção é retirar os moradores e que não há como executar reformas com pessoas morando no imóvel.

“Não podemos trabalhar com empirismo. Precisamos do projeto da reforma, de um responsável técnico, e isso não foi apresentado até agora”, diz.

Sinomar ressalta que a ação é uma medida preventiva tomada pelo poder público. “Estamos protegendo a vida dessas pessoas”, afirma o representante da Defesa Civil.

Para O síndico do Holiday, é preciso ter mais tempo para encontrar uma solução ideal. “Eu não estou procurando esses órgãos [Defesa Civil e Celpe] há pouco tempo. Minha gestão tem três anos e faz três anos que eu procuro um acordo. Não posso nem consigo resolver um problema que surgiu há mais de 20 anos”, afirma Rufino.

Risco estrutural

De acordo com a Defesa Civil do Recife, o risco estrutural do Edifício Holiday é alto: em uma escala que vai de 1 a 4, o prédio encontra-se em grau 3. Segundo o órgão, o imóvel precisa de reformas imediatas por causa da queda de reboco e problemas nas fundações da edificação.

A avaliação da Defesa Civil foi reforçada pelos resultados das análises realizadas pelo Corpo de Bombeiros. Em entrevista à TV Globo nesta quarta (13), o chefe de fiscalização da corporação, tenente-coronel Erick Aprígio, informou que o Holiday tem diversas patologias.

Ele afirmou que as condições do prédio são precárias e o risco de incêndio é muito alto, podendo comprometer as edificações vizinhas. Foram identificadas 22 situações de risco, nos últimos três anos. Entre elas, está o problema nas ferragens, que ficaram expostas.

Ainda segundo Erick Aprígio, os problemas verificados no Holiday vão desde a inundação do subsolo até a falta de componentes básicos de prevenção ao fogo, além de falhas e da sobrecarga das instalações elétricas.

Também de acordo com o Corpo de Bombeiros, outro problema é a quantidade de botijões no edifício. Há quase oito mil quilos de gás na edificação, sendo usados para vários fins, como comércio e produção de alimentos.

Além disso, há apartamentos que são usados como depósito de material de comércio de praia. Os bombeiros apontam que 80 carroças são guardadas na edificação.

Justiça

A decisão de interditar o Holiday foi proferida pelo juiz Luiz Gomes da Rocha Neto, da 7ª Vara da Fazenda Pública da Capital, em caráter liminar, na terça (12), após uma tutela de emergência requerida pela prefeitura do Recife. A desocupação, segundo o documento, deve ser feita em até cinco dias úteis, contados a partir da data de intimação ao edifício.

Também foi determinada à Companhia Energética de Pernambuco (Celpe) a manutenção da suspensão do abastecimento da eletricidade no local. Como o síndico do Holiday, José Rufino Neto, foi intimado nesta quarta (13), o prazo começa a contar na quinta (14), sendo encerrado no dia 20 de março.

Caso o prédio não seja desocupado nesse período, a remoção à força dos moradores do local pode ser feita a partir do dia 21 de março, com apoio dos agentes de segurança estaduais e municipais, conforme solicitado pelo magistrado.

Dificuldades

Desde o início de março, o prédio está sem luz e água. A falta de energia foi provocada por um curto-circuito no sistema da edificação. Por causa disso, mais de 90 famílias deixaram os imóveis, nesse período, aumentando o problema da falta de recursos no condomínio. A inadimplência chega a 80%, segundo moradores.

Diante dos problemas diagnosticados do Holiday, os moradores enfrentam dificuldades. No prédio, existem idosos e pessoas com dificuldades de locomoção. Sem energia, os elevadores estão parados e alguns moradores passaram a usar velas, o que amplia o risco de incêndio nos apartamentos.

De acordo com a Celpe, a luz será restabelecida no prédio apenas quando as correções necessárias no sistema elétrico do edifício forem realizadas.

O governo estadual informou, na terça-feira (12), que pretende fazer um cadastro dos idosos que moram no Holiday para tentar ajudá-los e enviou equipes da Secretaria de Justiça e Direitos Humanos de Pernambuco até o prédio para fazer um levantamento sobre a situação dos idosos.

A Secretaria de Direitos Humanos do Recife informou que tentou levantar o perfil dos moradores que precisam de auxílio, mas os fiscais não tiveram a entrada permitida pelos moradores.

Inquérito e protestos

Em fevereiro, o Ministério Público de Pernambuco (MPPE) instaurou um inquérito civil para investigar as condições de habitabilidade do Edifício Holiday, que apresenta riscos aos moradores e frequentadores.

Os técnicos da Celpe estiveram no local duas vezes para efetuar o corte de energia no prédio, mas foram hostilizados pelos moradores. A companhia prestou queixa na polícia sobre o ocorrido. Durante um carnaval, um problema elétrico deixou o prédio sem energia.

Em um protesto ocorrido na sexta (8), moradores exigiram reparos à Celpe. A concessionária informou que a energia será restabelecida quando o condomínio fizer as correções no sistema elétrico e houver segurança.

Na segunda (11), o Corpo de Bombeiros afirmou que a situação de habitabilidade no Edifício Holiday “chegou ao limite” e que o prédio oferece riscos aos moradores.

Fonte : G1.com