Após passar a infância sendo vítima de ataques racistas, a estudante baiana Noemy Damasceno, que tem 12 anos, conta que conseguiu superar o preconceito depois que passou a fazer sessões de fotos e postá-las nas redes sociais.
Noemy hoje tem quase 25 mil seguidores no Instagram. Entre as mensagens que recebe, a maior parte é de meninas que se inspiram nela para também usar os cabelos crespos e cacheados ao natural.
“Fico muito contente por também ser uma referência para outras meninas como eu. Sempre espero que elas possam se reconhecer e ver que elas podem ser o que elas querem ser também”, diz Noemy.
A menina conta que os ataques que sofria na infância eram velados: um apelido por conta da cor da pele ou uma “brincadeira” por conta do cabelo.
“Eu sofria, mas não percebia o motivo, por causa da minha idade. Aos poucos fui notando que estava sempre sozinha e percebendo que isso se devia ao racismo. Até que uma colega disse que a minha raça não prestava. Foi nesse momento que eu percebi”, disse.
Nomey superou o preconceito com os cabelos cacheados fazendo fotos — Foto: Eduardo Albuquerque
Para evitar o preconceito, Noemy conta que fez o que a maioria das meninas que passam por isso faz: o alisamento. “Antes eu escovava o cabelo. Isso era praticamente todos os dias. Se saísse um cacho da cabeça, a gente voltava para o salão”, lembrou ela.
Nos poucos momentos em que usava o cabelo natural, a estudante conta que os cachos estavam sempre molhados, para não fazer volume. Isso chegou a causar queda de cabelo em Noemy.
“Quando usava molhado, era sempre com muito creme para ele não subir. Aí chegou um dia em que eu e minha mãe percebemos que meu cabelo tinha caído bastante. Com a ajuda dela e outros cabelereiros, eu fui restaurando ele e parei de molhar tanto quando antes. Aí eu comecei a usar natural”.
A adolescente conta que o início da superação começou com a juda da mãe dela, que a ajudou a enxergar a beleza nos cabelos cacheados.
“Foi um pouco difícil saber que era racismo no começo. Minha mãe sempre me ajudou. Ela sempre me dizia que eu sou linda e me lembrava de ser eu mesma em qualquer circunstância. Aí eu fui aprendendo sobre empoderamento. Antes eu me importava muito, e as pessoas continuavam a falar mal do meu cabelo. Quando eu passei a ignorar, eles perceberam e pararam. Com o incentivo de minha mãe, eu fui me tornando a pessoa que me tornei hoje”, avaliou Noemy.
Para Genice Damasceno, mãe de Noemy, foi difícil aceitar os ataques que a filha sofria. Ela então recorreu a ajuda de uma psicóloga, para que pudesse encontrar a melhor forma de lidar com a situação.
“No começo foi muito difícil, porque era algo que eu nunca imaginava que eu um dia poderia passar com minha filha, levando em consideração que estamos na Bahia, lugar onde há muitos negros. Eu respirei fundo e procurei ajuda com uma psicóloga, para entender como eu trabalharia isso, e entendi que eu não poderia mudar a cabeça das pessoas”, disse Genice.
A psicóloga Letícia Vieira diz que é necessário que as família tenham a mesma percepção, para que colaborem com a formação da criança enquanto indivíduos e enquanto pessoas que fazem parte de uma minoria.
“O racismo é uma questão estrututal que não vamos conseguir mudar da noite para o dia. Também não é uma questão em que a gente pode usar o lema ‘Se não pode com o inimigo, junte-se a ele’. São situações em que a gente tem que ajudar a criança a construir a própria identidade, ajudar a criança a enxergar a beleza dessa identidade, para que esses atos racistas causem o menor impacto possível nelas, porque é algo que machuca e nunca vai deixar de doer”, afirma a psicóloga.
Antes de assumir os cachos naturais, Noemy usava os cabelos escovados — Foto: Eduardo Albuquerque
Essa foi a opção escolhida pela mãe de Noemy. Genice passou a empoderar a filha, ou seja, fazer ela reconhecer o lugar dela enquanto uma pessoa negra, como um sujeito ativo de mudança da sociedade racista.
“A gente não pode mudar o pensamento de quem é racista, infelizmente não temos como fazer isso. O que eu fiz foi empoderar a minha filha, comecei a mudar a cabeça dela. A mostrar para ela como valorizar cada pedacinho dela. Da cor da pele, do cabelo, do sorriso, tudo. Eu comecei a fazer um trabalho com ela na infância, desde pequenininha. Comecei a fortalecer ela. Quando vinham palavras que poderiam levar ela a um sentimento de tristeza, ou que fizesse menção à cor da pele ou ao cabelo, ela já estava com tanta certeza de quem ela era, e a história que existe por trás do povo negro, que ela já não se deixava mais ser atingida”, enumerou.
O golpe final no sofrimento de Nomemy foi dado após ela começar as sessões de fotos. Segundo a menina, a ideia veio de uma brincadeira proposta por uma tia.
“Aí a gente foi postando as coisas nas redes sociais e vendo o retorno das pessoas. Minha mãe viu e pensou que era brincadeira, mas à medida que foi ficando mais sério, a gente foi se dedicando e começou a fazer mais sessões”, contou.
A internet ajudou a adolescente a superar o preconceito com os cabelos — Foto: Eduardo Albuquerque
Com o retorno das fotos e o incentivo das pessoas, Noemy conta que a mãe ficou incerta se a filha deveria seguir com as postagens, por receio dela sofrer racismo novamente.
“Minha mãe sempre pergunta se eu tenho certeza se quero continuar fazendo as fotos, porque ela fica com medo de eu ser atacada. Eu procuro sempre pensar nas coisas boas que as pessoas têm a oferecer. Eu gosto de fazer as fotos e agora me sinto bem com meu cabelo. Desde que eu comecei a postar, eu fiz uma propaganda para a tv e participei de algumas campanhas”, revela.
Genice avalia a repercussão das fotos como algo positivo para a filha. Além do crescimento pessoal, ela acredita que a imagem de Noemy também empodera outras garotas.
“Nem eu esperava que acontecesse toda essa repercussão. Eu enxergo como uma etapa ruim que ficou para trás. Algo muito bom e positivo. O que a gente recebe de mensagem de mães falando que as filhas querem ser como ela, que se acham bonitas, se acham parecidas. Elas se identificam porque elas encontraram alguém que representa elas”, disse.
A psicóloga considera que as fotos são uma ação que impacta assertivamente a vida de outras pessoas, pois concede a outras garotas a chance de se verem representadas de uma forma positiva.
“Mostrar para o mundo o orgulho que se tem da própria imagem, ocupar esses lugares visíveis é muito bacana. Os indivíduos querem se enxergar nos espaços. Quando você se reconhece naquele lugar de destaque, você passa a ter uma visão mais positiva de você mesmo”, avaliou.
Fonte: G1