O Recife comemora 481 anos nesta segunda-feira (12). Dois anos mais velha, Olinda faz a festa na mesma data. Museus a céu aberto, as cidades-irmãs são sinônimos de beleza e história. Juntas têm 95 bens considerados Patrimônios Culturais Materiais de Pernambuco ou do Brasil. Muitos desses imóveis ou locais, no entanto, são desconhecidos pelos moradores e o aniversário é oportunidade para desvendar esses ‘tesouros’.
Muita gente que circula pelo Recife nem imagina que o Hospital Pedro II, no Instituto de Medicina Integral Professor Fernando Figueira (Imip), no bairro dos Coelhos, na área central, faz parte dos 76 locais da cidade classificados como patrimônio pela Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco (Fundarpe) ou pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).
Do mesmo modo, quem cruza o limite em direção ao município de Olinda, que abriga uma série de monumentos, não imagina que em meio ao mato, por trás da Vila Naval, na Praia do Istmo, se escondem as ruínas seculares do Forte do Buraco. Ele é um dos 19 patrimônios da cidade tombados pelo Iphan, assim como o Fortim do Queijo, na orla.
O tamanho do patrimônio das duas cidades é ainda maior, caso seja levando em conta o tombamento de todo um perimetro urbano em Olinda. O conjunto arquitetônico do Sítio Histórico é composto por 1,2 quilômetro quadrado e tem 1.500 imóveis. Além de residências, prédios públicos e imóveis comerciais, ficam na região 22 monumentos e 19 Igrejas seculares.
Na capital, a área de preservação deve considerar a arquitetura, o paisagismo e o traçado urbanísitco do Bairro do Recife. Além disso, existem o conjunto ambiental e paisagístico do Prata, em Dois Irmãos, na Zona Norte, e o casario da Rua da Aurora, no Centro.
E esses números estão presetes a sofrer nova mudança. Em breve, quem caminhar pelas ruas das cidades-irmãs para mergulhar na história dos cartões-postais vai se deparar com mais 32 áreas de preservação. Elas estão sob avaliação de tombamento no Recife e em Olinda.
Todos esses locais são considerados parte da história do estado, levando em conta suas características arquitetônicas, culturais e paisagísticas, que devem ser preservadas.
Exemplos
Em Olinda, além das ruínas do Forte do Buraco, um dos imóveis que são tombados individualmente é a Casa com Muxarabi à São Pedro, localizada na Praça Conselheiro João Alfredo, n° 07 (antigo pátio de São Pedro), no bairro do Carmo.
O sobrado mourisco é um dos poucos exemplares da arquitetura árabe no estado e hospedou o imperador Dom Pedro II e a imperatriz Tereza Cristina, em 1859, enquanto viajavam pelo Nordeste.
Outro prédio tombado individualmente é a Capela de São Pedro Advíncula, também no bairro do Carmo. A igreja foi construída em 1766 e tem influência portuguesa.
O Centro do Recife é reduto de boa parte do patrimônio da cidade. A Casa número 147 da Rua da Imperatriz, onde nasceu Joaquim Nabuco, é um desses imóveis preservados por força de lei.
Há também os Conventos de Santo Antônio e de Nossa Senhora do Carmo, no bairro de Santo Antônio, que foram erguidos em 1613 e 1767, respectivamente.
Dificuldades de Preservação
Preservar um patrimônio tão grande se torna um desafio para os governantes e para os moradores. Para Gilberto Sobral, secretário de Patrimônio e Cultura de Olinda e para a presidente da Fundarpe, Márcia Souto, uma das maiores dificuldades para a conservação desses espaços é a falta de conscientização da população.
O que garantiu ao Sítio Histórico de Olinda o título de Patrimônio Histórico e Cultural da Humanidade, pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), no início dos anos 90 do século passado, foi o conjunto arquitetônico e paisagístico. Por isso, nada que altere as características dos imóveis ou até a volumetria paisagística pode ser alterado.
No Sítio Histórico de Olinda, 87% dos cerca de 1.500 imóveis da área são residenciais. Assim, a responsabilidade de preservação é do morador.
“A calçada, os postes, os telhados e os quintais fazem parte da volumetria e da paisagem da cidade e precisam ser preservados. Os moradores precisam entender que residem em uma cidade histórica que é uma joia e precisa ser cuidada. Se cada morador cuidar da sua casa já está ajudando muito”, afirma o secretário.
Para Márcia Souto, uma das razões pela qual os moradores não cuidam dos patrimônios é a falta de informação.
“A preservação é uma responsabilidade partilhada entre governo e população. Você não preserva aquilo que não sabe que tem valor. É preciso entender que é parte da nossa história e de quem somos”, afirma.
Para criar um movimento de conscientização na população, a prefeitura de Olinda reabriu o Núcleo de Educação Patrimonial. O órgão realiza ações uma vez por semana com alunos da rede municipal. Também são distribuídos cartilhas aos moradores com orientações sobre o que pode ou não ser feito em imóveis tombados.
“E tudo isso é importante para a economia da cidade também, porque se o patrimônio estiver preservado, o turista volta. E o turismo gera emprego, movimenta a rede hoteleira, o comércio, restaurantes. Incorpora ao cenário da cidade”, destaca Gilberto Sobral.
Em Olinda, outro fator que dificulta a preservação do patrimônio é a falta de recursos do município, que muitas vezes precisa recorrer a parcerias com o governo federal ou com órgãos internacionais. Atualmente, existem quatro prédios públicos fechados, além do Mercado Eufrásio Barbosa, que está em reformas.
São eles: O Cine Olinda, no Carmo, o Teatro Bonsucesso, no bairro de mesmo nome e o Cine Duarte Coelho, no Varadouro. A Igreja do Bonfim também passa por obras.
O que significa um patrimônio tombado?
A preservação dos imóveis privados também é comprometida pelo desconhecimento da população sobre o que significa o tombamento. Segundo a presidente da Fundarpe, Márcia Souto, às vezes, as pessoas têm medo de comprar um bem que seja tombado ou acreditam que a partir do momento em que ele é protegido por lei, a propriedade se torna do estado.
“É passada a ideia errada sobre o tombamento. As pessoas têm receio, quando na verdade é algo bom. Acham que porque o imóvel é tombado, eles não podem reformar, não podem vender. Não é assim. O tombamento é feito para preservar as características da época em que o imóvel foi construído. Isso ajuda a preservar e contar a história do nosso estado e do nosso país. Esse entendimento é importante”, afirma.
Antigamente, quem quisesse vender um imóvel tombado precisaria oferecer ele à prefeitura do município e ao governo do estado antes. Hoje em dia, essa medida já não é mais necessária. O vendedor deve apenas comunicar ao órgão responsável pela proteção do imóvel, seja a Fundarpe ou o Iphan, a mudança de proprietário, com as devidas documentações.
Reformas e intervenções
Diferente do que muitas pessoas pensam, reformar um imóvel tombado é possível. Porém, existem alguns critérios para que essa intervenção seja feita, uma vez que é necessário preservar as características da época. A fachada, por exemplo, não pode sofrer alterações, apenas manutenção.
Também não é permitido nenhuma reforma que altere a volumetria do imóvel, como a construção de um novo cômodo. A depender do imóvel, é preciso manter algumas características específicas, como o tipo de tinta ou a cor original do imóvel, quando se tem registros.
Assim como em todos os imóveis, para dar início a uma reforma, o proprietário precisa comunicar a obra à prefeitura. Mas no caso dos imóveis tombados, também é preciso submeter o projeto a uma análise, com técnicos do município e dos órgãos de preservação.
No Recife e em Olinda, as prefeituras possuem uma comissão que analisa e fiscaliza essas obras. Nas cidades que não possuem, o proprietário deve comunicar a obra na prefeitura e submeter o projeto diretamente na Fundarpe ou no Iphan, de acordo com o grau de tombamento, estadual ou federal, respectivamente.
“Os técnicos têm um olhar compreensivo sobre esses casos. Para o proprietário morar nesta casa, ele precisa de um conforto, assim como em todo imóvel. A possibilidade de ter ar condicionado, TV à cabo, internet. Ele precisa gostar de morar ali. Mas isso pode ser feito de um jeito que preserve as características do imóvel. Tem solução para tudo. Se aquela proposta do proprietário for inviável, os técnicos podem sugerir alterações ou até uma nova proposta”, explica Márcia Souto.
A presença do morador no imóvel é uma das coisas que a Fundarpe considera imprescindível para a preservação dos patrimônios. “Se o morador sai, o lugar deixa de ser cuidado, e assim preservado”, afirma a presidente.
Como um bem se torna patrimônio?
O processo de tombamento estadual é feito em cinco etapas: proposta, notificação, avaliação, votação e decreto. Em média, a Fundarpe recebe três pedidos de tombamento por mês. Desses, cerca de 80% a 90% são aceitos.
Não existe um prazo para a decisão ser tomada. O tempo de duração de cada processo varia de acordo com a facilidade de encontrar documentos históricos sobre o bem em avaliação, fotos e relatos de intervenções culturais.
Etapas do processo de tombamento
Proposta | Qualquer pessoa pode solicitar o tombamento de um bem, mesmo que não seja o proprietário. Para isso, é preciso elaborar um documento que contenha o endereço do bem (se for um imóvel), local onde se encontra (em casos de bens móveis) ou delimitação da área (para conjunto urbano, sítio ou paisagem natural), além do nome e endereço do proprietário, descrição das características do bem, uma justificativa para o pedido e os documentos pessoais da pessoa que solicitou. Esse documento deve ser entregue impresso na Secretaria de Cultura do município. O secretário pode acatar ou não o pedido. |
Notificação | Se acatada, a proposta de tombamento é encaminhada para a Fundarpe, que imediatamente vai notificar o proprietário sobre a condição. A partir desse momento, até o fim do julgamento, o imóvel fica protegido sob a lei de tombamento, para garantir que nenhuma alteração indevida seja feita no lugar até a decisão final. |
Avaliação | Na primeira reunião do Conselho após a notificação, é escolhido um relator, que deve avaliar o pedido e realizar um levantamento histórico e de valor. Esse relatório deve conter informações históricas, arquitetônicas e culturais. |
Votação | Com a conclusão do documento, o relator deve apresentar o caso e indicar seu voto, com fundamentação. Então todo o conselho vota e chega em uma resolução. |
Decreto | Após a decisão do conselho, se acatado, o governador baixa o decreto que classifica o bem como Patrimônio de Pernambuco, e, se recusado, o pedido é arquivado. O bem é inscrito no livro de tombamentos. |
Patrimônios Vivos
Atualmente, Pernambuco tem 30 pessoas ou grupos entitulados Patrimônios Vivos do estado. Desses, nove são do Recife e quatro de Olinda. Eles são responsáveis pela preservação da cultura pernambucana e do incentivo à formação da população na área em que atuam.
“Esse título é dado a pessoas ou grupos que contribuem imensamente para a memória da nossa cultura através do trabalho deles. Como Maestro Duda, que materializa o frevo por onde passa, ou o Caboclinho 7 Flexas, que tem um trabalho lindo em uma arte que lembra a participação dos índios na nossa formação”, afirma Márcia Souto.
Cada um deles recebe uma bolsa de incentivo à arte, no valor de R$ 1.600 para as pessoas jurídicas e de R$ 3.200 para as pessoas físicas. Com esse dinheiro eles devem criar projetos de fomento à cultura popular, passando de geração em geração os conhecimentos e amor pela cultura pernambucana. A partir de 2018, a cada ano, seis novos patrimônios vivos serão escolhidos.
“Olinda tem personalidades culturais fazendo trabalhos incríveis de difusão da nossa cultura. Lula Gonzaga, por exemplo, tem uma importância fundamental para o cinema de animação do estado. Somos uma cidade de movimento cultural muito intenso, reconhecido e apoiado”, destaca o secretário Gilberto Sobral.
Patrimônios vivos do Recife: Caboclinho 7 Flexas, Canindé do Recife, Maestro Duda, Didi do Pagode, Maestro Formiga, Claudionor Germano, Seu Malaquias, André Madureira e José Pimentel.
Patrimônios vivos de Olinda: Maracatu Leão Coroado, Clube Homem da Meia Noite, Lula Gonzaga e O Cariri Olindense.
Patrimônios Culturais Imateriais de Pernambuco
Pernambuco é dono de quase um quarto de todos os Patrimônios Imateriais Culturais do Brasil, classificados pelo Iphan. Dos 40 bens, nove são pernambucanos. A lista abriga o frevo, a roda de capoeira, a feira de caruaru, o maracatu nação, o maracatu de baque solto, os caboclinhos, o teatro de boneco de mamulengos, os saberes dos mestres de capoeira e o cavalo-marinho.
Prêmio Ayrton de Almeida Carvalho
Para premiar projetos voltados à proteção, preservação e conservação do patrimônio material e imaterial do estado, a Fundarpe e a Secretaria de Cultura de Pernambuco criaram o Prêmio Ayrton de Almeida Carvalho de Preservação do Patrimônio Cultural de Pernambuco. O concurso tem prêmios somados em R$ 90 mil e está com inscrições abertas até o dia 6 de abril.
O prêmio busca selecionar e reconhecer ações da sociedade civil voltadas à protação, preservação e difusão do patrimônio cultural material e imaterial do estado, nos mais diversos tipos de expressão. As ações precisam ter sido desenvolvidas entre 2015 e 2017.
Confira aqui o edital de participação do concurso.
Fonte: G1 nordeste