Um projeto criado por uma estudante da Universidade Federal de Alagoas (Ufal) está recolhendo relatos de casos de violência sofrida por mulheres no bairro da Jatiúca, em Maceió, por meio de cartazes espalhados pelo bairro e também pela internet.
Segundo ela, o objetivo é propor melhorias nos espaços públicos da região, para que ela se torne mais segura para todos, mas principalmente para a população feminina.
Julia de Freitas Correia Lyra cursa arquitetura e urbanismo na Ufal. Ela, que mora na Jatiúca, conta que a ideia surgiu como parte do seu Trabalho de Conclusão de Curso (TCC).
“Eu senti essa necessidade de trabalhar essa perspectiva de gênero das próprias mulheres dentro do bairro, do medo e da vulnerabilidade. O espaço é pensado e feito por homens, e deixa de lado questões femininas, como o medo da violação. Os homens têm medo também, mas a mulher enfrenta um medo a mais, de ser violada, assediada, sofrer abuso, estuprada, coisas assim”, relata a estudante.
Foi daí que veio a iniciativa de tentar ouvir o que essas mulheres, vítimas da violência no bairro, tinham a dizer. A forma encontrada para isso foi colar cartazes em pontos que a estudante considera mais críticos, para que as vítimas relatem suas histórias, de forma anônima.
“Elaborei cartazes diferentes para cada tipo de lugar. Nesse [na foto acima], como é local de passagem, quis que fosse uma forma de diálogo rápido, então fiz como uma colagem, para que elas digam se têm medo ou não, usando as bonequinhas que as representam”, explica Julia.
No cartaz mostrado por Julia ao G1, várias pessoas responderam que têm medo de andar por aquele ponto. Ela destacou também uma história deixada em outro ponto do bairro.
“Foi o de uma mulher que colocou que não sentia medo de andar no Corredor Vera Arruda, mas passou a ter depois que foi assaltada e, ao falar com um policial, foi questionada: ‘o que você está fazendo andando aqui nessa hora?’. Ela se sentiu pressionada e com medo de falar com a polícia”, conta.
Impressionam também os relatos deixados no site elaborado pela estudante, o Ser Mulher na Jatiúca. Lá, é possível ver um mapa que mostra onde e como os casos de violência ocorreram. Alguns deles falam de mulheres que foram abordadas por homens se masturbando.
“Estava na praia com um namorado. Eu tinha 15 anos. Um homem velho sentou um pouco atrás de nós e começou a se masturbar”, conta uma vítima.
Outra afirma que, “uma vez, um homem numa moto passou por mim, indo na mesma direção. Parou lá na frente, sentou muito confortavelmente na calçada e começou a se masturbar, enquanto eu passava por ele andando”.
Julia diz ainda que os relatos em que vítimas são crianças são os que chamam mais atenção. “São casos de abusos com crianças, tanto de abordagem quanto de perseguição, crianças de 8, 10, 12 anos”.
A colheita de histórias continua por mais dois meses, tempo em que a estudante deve concluir seu TCC. Ela, no entanto, pretende levar o projeto adiante.
“A ideia é pensar estratégias para melhorar esses espaços para essas mulheres. Seriam tanto medidas emergenciais, como fazer mapeamento das ruas mais seguras para elas planejarem o caminho para se deslocar, como mais radicais, como mudar a iluminação, a estrutura e o desenho urbanos”, conclui Julia.
A princípio, a Jatiúca é o objeto desse estudo, mas a estudante quer, no futuro, expandir o projeto para outras áreas da cidade, em especial as de baixa renda.
Fonte: G1 nordeste