Brasileiros ricos se mudam para Lisboa, a nova Miami

Em setembro de 2014, a empresária Andrea Schultz, 40, mudava-se com o marido e as duas filhas adolescentes para uma casa de 550 m² no Belas Clube de Campo, entre Sintra e Lisboa. O imóvel foi personalizado com três suítes e dependência de empregada, ao gosto do casal.
Donos de agência de viagem em Curitiba, os Schultz descobriram em Lisboa e arredores atrativos que brasileiros abastados encontram na Flórida, nos EUA, ao decidirem mudar e/ou investir fora do Brasil. “Só que aqui é melhor. Temos o idioma comum, facilidade para conseguir visto e até passaporte português”, elenca Andrea.

Seu marido, Aroldo, 48, é um dos 282 brasileiros que obtiveram o “golden visa” (Autorização de Residência para Atividade de Investimento). Para ter direito ao visto, é preciso investir € 1 milhão (R$ 3,4 milhões) ou adquirir imóvel que custe ao menos € 350 mil (em áreas de reabilitação urbana) ou € 500 mil nas demais zonas. Após cinco anos, o beneficiário pode solicitar cidadania.

Direito que os descendentes, inclusive netos a partir de agora, estão requerendo cada vez mais. Só no Consulado de Portugal em SP são concedidas 820 novas cidadanias por mês. Nos últimos cinco anos, foram 40 mil.

“Os dois países estão sempre em contraciclo econômico e aproveitam oportunidades recíprocas”, avalia Paulo Lourenço, cônsul-geral de Portugal em São Paulo. Hoje, 85 mil brasileiros são residentes regulares no país.

De olho nesse potencial, as imobiliárias e as incorporadoras portuguesas fazem fila para realizar eventos no Brasil.

“Quando vimos os brasileiros comprando em Orlando e em Miami, começamos a ir a feiras e a falar com corretores locais para atrair esse perfil de cliente que poderia achar Portugal interessante”, afirma Gilberto Jordan, diretor da Planbelas Sociedade Imobiliária, proprietária do empreendimento com campo de golfe onde vivem os Schultz.

Outras 15 famílias brasileiras responderam ao esforço de vendas do Belas Clube. Toda semana, recebem visitas de potenciais clientes do Brasil com cacife para desembolsar € 900 mil por uma casa.

“Os brasileiros descobriram Portugal há pouco. Tinham fascínio pelos EUA, só queriam ir para Miami”, diz Pedro Lancastre, diretor da JLL Consultoria Imobiliária. Hoje, o Brasil responde por 14% da clientela, seguido de França (7%) e China (3%).A mudança de rota se faz sentir no boom imobiliário que elevou o preço de imóveis de luxo em Lisboa em 19%, em média, nos últimos dois anos. Investimento atraente, quando se compara o metro quadrado em áreas nobres de Lisboa (€ 8.000), Paris (€ 18 mil) e Londres (€ 27 mil).

VISTA PARA O TEJO

Conta que influenciou José Luiz Nogueira, 57, a se instalar com a família em um imóvel de 340 m² no centro histórico de Lisboa, em 2015. Pagou € 5.340 pelo metro quadrado do imóvel restaurado em um edifício de 1840 na Sé. Desfruta de sete portas que dão numa varanda voltada para o Tejo e vista lateral para o castelo de São Jorge.

“Financiei uma parte sem a burocracia do Brasil e com juros de menos de 2% ao ano”, compara. “Os imóveis no centro chegaram a ter alta de 46% entre 2015 e 2016.”

“Recomendamos o investimento em imóveis em Portugal. Você paga barato, está na Europa, forma patrimônio em euros e o retorno varia de 5% até 15%”, diz Renato Breia, 32, sócio da Empiricus, consultoria financeira com filial em Lisboa. Ao se mudar há um ano e meio, o economista seguiu o conselho dado aos clientes: comprou por € 270 mil apartamento de 90 m².

Trata-se de uma leva de brasileiros de classe média e ricos que, nos últimos três anos, encontraram além-mar um Eldorado para fugir da insegurança, do desencanto com a política e da crise.

“É um perfil acolhido com tapete vermelho”, constata Maria Rita Faria, cônsul-adjunta do Brasil em Lisboa. “Aqui, desfrutam do seu nível de vida, crianças saem sozinhas em segurança, contam com boas escolas internacionais, além de saúde e educação públicas de qualidade.”

Pacote que fez os Schultz deixarem a alardeada qualidade de vida curitibana. “Escapamos da violência”, diz Andrea. “Ficamos reféns de bandidos em casa.” Ao trauma se soma descrença política. “Só meus netos terão um Brasil sem corrupção.”

Dono de produtora de vídeo em Brasília, Nogueira aventou morar em Paris ao concluir que São Paulo, onde vivia a família, era inviável. Foi convencido pela mulher, Juliana Caus, 38, a se estabelecer em Lisboa, com seus 500 mil habitantes, mas com todos os atrativos de capital.

“Ganho dinheiro no Brasil e vivo em Portugal”, resume ele, que passa 40 dias lá e 20 aqui. Ponte transatlântica que vale na ponta do lápis. Paga € 100 de condomínio e prestação mais barata que aluguel. “Meus filhos de 13 e 10 anos andam sozinhos de metrô”, relata. “Morar em Lisboa é deitar no sofá da avó. É uma sensação de pertencimento.”

BILIONÁRIOS

A mulher mais rica de Portugal é uma brasileira, brincam os patrícios ao se referirem a Regina Camargo, 66, herdeira da Camargo Corrêa. Com fortuna estimada em US$ 1,9 bilhão, ela e o marido, Carlos Pires, dono da rede Raia Drogasil, escolheram viver em um prédio restaurado no Chiado, zona mais nobre do centro de Lisboa.

O casal transferiu residência fiscal para o país. Procurados pela reportagem via assessoria do grupo, um dos protagonistas da Lava Jato e em processo de delação premiada, eles não se manifestaram.

O fato é alardeado dos dois lados do Atlântico quando se fala do êxodo recente de pesos-pesados do PIB nacional. Até então, a opção era ter residência de verão em Cascais ou no Estoril, especialmente para famílias com laços de sangue com Portugal, como os Diniz e os Setubal.

Expoentes da nova geração, Ana Maria Diniz, filha mais velha de Abilio, e o marido, Luiz Felipe D’Ávila, reformam um imóvel também no Chiado, onde o metro quadrado pode custar € 10 mil.

DO STF E de BANCOS

Já Gilmar Mendes, ministro do STF, optou por Príncipe Real, outra zona nobre, onde comprou apartamento no ano passado. Com voo direto de Brasília para Lisboa, costuma passar feriados e planeja usufruir mais do imóvel quando se aposentar. “Temos uma comunidade de afetos em Portugal, de cooperação judicial e na academia”, diz. “Além de clima amigável em qualquer época do ano.”

Altos executivos brasileiros também se dividem entre os dois países. É o caso de Marcos Madureira, 65, vice-presidente do Santander.

Neto de portugueses, o santista restaurou a quinta da família no norte de Portugal. “Morei seis anos na Espanha e comecei a recuperação da casa que pertenceu ao meu avô. É o meu refúgio para viver entre Brasil e Portugal quando me aposentar.”Com um pacote de reformas, a partir de 2012 Portugal começa a se tornar atrativo para investidores e também aposentados que, por exemplo, ganham isenção de impostos por dez anos ao transferir domicílio tributário.

Com vida cultural intensa, excelente gastronomia e custo de vida relativamente baixo, a capital portuguesa virou porto seguro também para nórdicos e franceses, atraídos pelo clima ameno e pelas belas praias. “Na França, vivemos depressão econômica, crise de identidade e medo do terror”, elenca François Manceaux, 56, cineasta francês que se divide entre Paris e um apartamento no aprazível bairro da Lapa.

“Portugal se tornou uma espécie de clínica antidepressão da Europa.” E meca para um mundo em crise. Com informações da Folhapress.